quinta-feira, 20 de dezembro de 2007

olhares sobre a maconha

A Folha de S.Paulo de hoje, bem como a capa do Uol, destacam a notícia de que há mais substâncias tóxicas na fumaça de um cigarro de maconha do que na de um cigarro de tabaco. É importante. Informação que tem de ser divulgada e conhecida.

...Mas não deixa de ser curioso notar como, em geral, não se divulgam notícias neutras ou positivas sobre maconha. Goste-se ou não, elas também existem. E são referendadas pela mesma Ciência e Medicina. É importante. Informação que tem de ser divulgada e conhecida.

Este ano o jornal O Globo publicou uma meia página (em uma edição de sábado, se não me engano) sobre um livrinho, pequeno e esclarecedor, sobre o papel medicinal da droga.

Li o livro e a curiosidade me levou a entrevistar um dos neurocientistas autores de Maconha, cérebro e saúde. Com propriedade, ele desanca mitos como a "morte" de neurônios e a perda memória decorrentes do uso da droga, enquanto reforça a eficácia dela no alívio da dor severa. A entrevista saiu na edição 471 da CartaCapital (de 21/11/07) e reproduzo aqui:

O cérebro e a maconha

O neurocientista Renato Malcher-Lopes desfaz mitos sobre a droga

a Phydia de Athayde

Os atributos medicinais da maconha são velhos conhecidos do homem. Nesta terça-feira, 6 de novembro, um estudo da Universidade da Califórnia indicou que um composto da droga pode ser usado no tratamento da depressão. Há mais de 3 mil anos, um texto sagrado do hinduísmo a descrevia como capaz de aliviar a ansiedade e como fonte de alegria e regozijo. No Tibete e no Nepal, é tradicionalmente utilizada no tratamento de ulcerações, reumatismo e inflamações de ouvido, além de agir como anticonvulsivo e antiespasmódico em casos de epilepsia e tétano. Mas a tradição nada tem a ver com o papel hoje reservado à droga, substância ilegal mais consumida no mundo e alvo da política antidrogas norte-americana, com reflexos mundiais.

Na última década, a descoberta de substâncias produzidas pelo cérebro que agem de forma similar à da maconha (os endocanabinóides) reabriu a discussão sobre os benefícios terapêuticos da droga. Dois cientistas brasileiros acabam de unir conhecimentos e as mais recentes pesquisas sobre o tema para lançar Maconha, cérebro e saúde (Ed. Vieira & Lent, 22 reais). Um dos autores, o neurocientista Sidarta Ribeiro, que descobriu como o sono e os sonhos atuam na organização das memórias, é diretor de pesquisas do Instituto Internacional de Neurociências de Natal Edmond e Lily Safra (IINN-ELS), um dos mais promissores pólos científicos do País. O outro, o neurocientista Renato Malcher-Lopes, apresentou um projeto de pós-doutorado na Escola Politécnica Federal de Lausanne, na Suíça, e, atualmente, trabalha no Centro de Recursos Genéticos e Biotecnologia da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa). Malcher-Lopes participou da descoberta da regulação hormonal dos endocanabinóides e pesquisa a atuação da leptina e outros hormônios no controle do apetite e no equilíbrio fisiológico.

A partir do paralelo entre os endocanabinóides e os canabinóides da maconha, o livro traz uma nova maneira de entender os mecanismos de ação da droga na saúde, na mente e no comportamento. Na entrevista a seguir, Malcher-Lopes explica como a maconha atua no cérebro, destaca os riscos à saúde, defende os benefícios terapêuticos comprovados pela ciência e, principalmente, desfaz mitos.

CartaCapital: Quais lacunas no conhecimento sobre a ação da maconha no cérebro o livro busca preencher?
Renato Malcher-Lopes: Por nossa formação em biologia molecular e em neurobiologia, resolvemos mostrar como processos biológicos de dimensões moleculares se relacionam com experiências mentais e com o comportamento. A grande novidade para o público leigo é a constatação de que o organismo produz substâncias semelhantes aos princípios ativos da maconha, os endocanabinóides, dentro de um sistema de regulação extremamente importante para quase todos os aspectos da fisiologia. Uma conseqüência desse novo conhecimento é a maior compreensão dos mecanismos por trás dos efeitos medicinais da maconha e dos problemas causados pelo uso abusivo.

CC: O livro menciona um estudo holandês, publicado neste ano, que concluiu “não haver perda detectável de tecido nervoso em usuários crônicos de maconha”. Tal informação contradiz o discurso comum de que a droga produz danos irreversíveis ao cérebro. Quem está com a razão?
RML: A preocupação de que a maconha possa danificar o cérebro é legítima. Felizmente, contudo, as evidências indicam que este não é o caso, o que representa uma notícia muito boa, já que muitas pessoas poderão ter seus sofrimentos reduzidos, sobretudo doentes de câncer recebendo quimioterapia e pessoas que sofrem de dores severas para as quais os atuais analgésicos, com exceção da morfina, não são tão eficientes. Nunca houve consenso científico de que a maconha pudesse causar danos cerebrais.

CC: A droga, segundo outra pesquisa mencionada, ajuda a proteger os neurônios durante processos degenerativos como o mal de Parkinson ou Alzheimer. E em indivíduos saudáveis? Os neurônios “morrem” ou são preservados?
RML: Não há nenhuma evidência de que a maconha cause morte de células de qualquer tipo em pessoas saudáveis ou não. Por outro lado, há componentes na maconha que podem proteger os neurônios de processos degenerativos em qualquer pessoa. Mas o uso abusivo pode aumentar o risco de surtos psicóticos em quem tem predisposição à esquizofrenia.

CC: Os Estados Unidos vivem um dilema entre permitir e reprimir a aplicação medicinal da maconha. No Brasil, a hipótese nem sequer é cogitada. Por que o uso terapêutico da droga enfrenta tantas barreiras?
RML: No Brasil, o maior entrave são as leis e o estigma que elas trazem. Os obstáculos ao uso médico da maconha não encontram respaldo nem nos preceitos médicos nem no conhecimento científico. Remédios precisam ser testados clinicamente para averiguação de eficácia e segurança em humanos, e isso já foi feito para várias propriedades terapêuticas da maconha. O fato de a maconha ser mais eficiente como remédio quando inalada sempre foi um inconveniente, já que nenhum médico se sente confortável ao ver o paciente encher os pulmões de fumaça. Mas hoje em dia existem vaporizadores que permitem a inalação dos princípios medicinais da maconha sem a contaminação pela fumaça, poupando os médicos desse dilema.

CC: O livro diz que a maconha atua na formação de memórias, em contradição com o do discurso comum, que associa a droga à perda de memória. Por que isso acontece?
RML: O consumo da maconha afetará de duas formas a memória de trabalho – aquela usada para manter na mente um número de telefone que acabamos de escutar, por exemplo. Durante os efeitos inebriantes da droga, essa memória fica bastante reduzida. Quando os efeitos agudos passam, existe ainda um efeito residual, bem mais fraco, que pode perdurar por várias horas. Se o sujeito fuma maconha o tempo todo, estará sempre sob um ou outro nível de efeito, o que prejudicará o aprendizado de novas coisas, mas não causará o apagamento ou afetará a recapitulação de memórias já consolidadas. Não há, portanto, evidências de efeitos permanentes na memória. Por outro lado, é importante salientar que, além de prejudicar seriamente o aprendizado, o uso de maconha certamente reduzirá a motivação para o estudo dos jovens em idade escolar.

CC: Como o cérebro se refaz da desorganização do processamento de informação provocada pela maconha?
RML: O que parece ocorrer sob o efeito da maconha é um reordenamento no fluxo de informações entre os circuitos neuronais, tornando-o menos rígido. Em tese, esse afrouxamento lógico ajuda a explicar a dificuldade no uso da memória de curto prazo, enquanto permitiria a interconexão mais fluida entre idéias, conceitos e emoções. Os canabinóides da maconha atuam como chaves que abrem essas interconexões de forma mais ampla, intensa e menos seletiva do que a que ocorre naturalmente. Quando o efeito acaba, o cérebro volta ao seu estado normal de funcionamento. Tudo indica que nesse estado normal os endocanabinóides ajam de forma semelhante aos canabinóides exógenos, porém, o fazem de maneira muito mais precisa, atuando em momentos específicos e de forma seletiva em determinados circuitos neuronais. Nós acreditamos que isto ocorra em processos neuronais envolvidos normalmente no reaprendizado e na criatividade.

CC: O que se pode afirmar sobre dependência de maconha?
RML: Ela não causa dependência fisiológica, mas pode causar dependência psicológica. A interrupção abrupta do uso crônico normalmente não causa transtornos fisiológicos, mas, sim, mau humor exacerbado, diminuição do apetite e intensificação dos sonhos. Há relatos raros de ocorrência de náusea, mas, de uma forma geral, os sintomas da abstinência de maconha caracterizam uma dependência psicológica, relacionada aos efeitos nos circuitos cerebrais associados a sensações prazerosas. Embora seja relativamente moderada, essa dependência pode ser agravada em pessoas que apresentem estados depressivos ou transtornos psicóticos. A incidência de dependência em maconha é considerada baixa se comparada às do álcool, do cigarro, da cocaína e da heroína.

CC: Quais os riscos ao cérebro da associação de maconha com outras drogas, tanto lícitas quanto ilícitas?
RML: Ainda não há estudos sobre possíveis danos cerebrais causados pela interação da maconha com outras drogas, mas tais interações certamente afetam outros aspectos da saúde. O uso concomitante de álcool e maconha, por exemplo, fará com que uma droga potencialize o efeito sedativo da outra, o que pode gerar sintomas de depressão. A combinação de maconha com qualquer droga antidepressiva, como a fluoxetina (princípio ativo do Prozac), pode, em casos raros, gerar transtornos psicóticos e deve ser evitada. A interação com drogas estimulantes, como cocaína e café, pode ser prejudicial para pessoas com propensão a problemas cardiovasculares. E o uso de maconha em associação ao cigarro normal pode potencializar os efeitos danosos que a fumaça causa ao pulmão. Por outro lado, a maconha também interage sinergisticamente com outros analgésicos, mas esta é uma interação desejável no tratamento de dores severas.

CC: Qual a sua opinião sobre a legislação brasileira, que pune o traficante e tolera o usuário de maconha?
RML: Tomando como base as informações científicas e considerações éticas, defendemos a regulamentação da pesquisa clínica e do uso médico da maconha, que representa uma forma eficaz e barata de aliviar o sofrimento e melhorar o prognóstico de muitos doentes.

quarta-feira, 12 de dezembro de 2007

moradia popular

...O surgimento (rápido) de uma parte da favela Real Parque e a desocupação feita pela polícia, que causou um congestionamento monstro e - muito por isso - foi notícia esta semana são dois lados de uma mesma história. E que costuma ser mal contada. Tem o oportunismo de quem ergue barracos de olho na indenização paga pela prefeitura, tem o problema sério (e real) da falta de moradia no País, tem a truculência da polícia, tem a maneira simplista como a tevê costuma resumir a história... E por aí vai. É complicado entender o problema sem ao menos tentar saber a que mais ele está ligado. Cidade, política, gente, grana, especulação, malandragens lá e cá, boas intenções, más gestões, enfim.

Talvez para ajudar, embora também não seja uma análise completa, tem um texto que eu fiz pra edição de 05/12 da CartaCapital. Fala sobre a falta moradia no país e do que pode ser feito pelo governo federal a respeito (além do que já está sendo feito, pelo menos na parte de organizar o rolo todo...).

por Phydia de Athayde - com a colaboração da Eliane Scardovelli

“Lá não tem favela como aqui, os barracos são feitos de palha de babaçu”, explica Bismarque Roberto de Sousa Miranda, maranhense que vive em Tocantins. Ele coordena o Movimento Nacional de Luta pela Moradia (MNLM) e está em Brasília para a 3ª Conferência Nacional das Cidades. Na bagagem, a constatação de que nem a mais jovem capital brasileira, Palmas (de 1989), escapa de problemas comuns às grandes metrópoles. “A classe trabalhadora mora em cortiços na periferia enquanto a elite mora no centro. O próprio estado criou um bairro para moradia popular, mas fica distante 30 quilômetros”, diz e crava: “A cidade foi planejada para excluir”.

Miranda e outros quase 3 mil participantes da conferência, que aconteceu entre 25 e 29 deste mês, acreditam ser possível transformar a realidade urbana, e que isso só é acontecerá com participação da sociedade.

Na edição anterior da conferência, em 2005, o presidente Lula não compareceu. Desta vez, foi recebido com aplausos na cerimônia de abertura e fez um discurso afinado com as expectativas do público, formado em boa parte por representantes de movimentos sociais.

Lula disse esperar “um dia acordar e não ter mais palafitas no País”. Agradeceu a presença dos representantes de conselhos municipais e destacou que conferências anteriores resultaram em projetos e, depois, em leis. Como exemplo de ação conjunta entre governo e movimentos sociais, o presidente mencionou a aprovação do marco regulatório do saneamento básico.

Lula também se disse favorável ao aproveitamento de prédios públicos vazios para moradia. Estima-se que existam, no Brasil, 6,7 milhões de domicílios vagos, 5 milhões deles localizados em área urbana, e uma parcela ainda não calculada pertencente à União.

Hoje, mais da 80% da população brasileira vive em área urbana. Ou tenta viver, já que milhões não têm onde morar, ou amontoam-se em favelas e similares. A medição mais recente, do IBGE com dados de 2005, indica que faltam 7,9 milhões de moradias no País (tabela ao lado). Outra pesquisa, ainda inédita, do Centro de Estudos da Metrópole, descobriu que há mais de 12,5 milhões de brasileiros – o dobro do apontado pelo IBGE – vivendo em locais precários, carentes socialmente e sem infra-estrutura adequada.

A Conferência Nacional das Cidades é importante porque, além de discutir questões técnicas e legais, é uma iniciativa governamental para fazer surgir um modelo de desenvolvimento urbano que incorpore participação social. A instância criada para isso é o Conselho das Cidades, formado por 86 representantes da sociedade civil organizada e das três esferas de governo.

Quase um terço dos participantes da conferência são ligados ao Fórum Nacional de Reforma Urbana (FNRU), referência no assunto por representar os principais movimentos sociais nacionais, diversas ONGs, entidades profissionais e instituições de pesquisa ligadas ao tema.

Benedito Roberto Barbosa, o Dito, é dirigente nacional da Central de Movimentos Populares (ligada ao FNRU) e está feliz com as conquistas em Brasília, resultado de 3.175 conferências locais realizadas durante o ano. “Agora é o momento de descer para a prática”, diz. “Cria-se uma expectativa muito grande. Mas, entre a decisão política e a efetivação o processo, tudo é muito lento, sem falar dos conflitos entre governos”.

Uma antiga reivindicação foi atendida já na abertura da conferência, com a sanção da Medida Provisória 387 pelo presidente Lula. Entre outros itens, a MP dá acesso para associações comunitárias e cooperativas ao Fundo Nacional de Habitação de Interesse Social (FNHIS). A sanção é um momento histórico para os movimentos sociais, pois partiu deles, nos idos de 1992, o projeto de lei de iniciativa popular que criou o Fundo e também o Sistema Nacional de Habitação de Interesse Social, em 2005.

Do total de 1 bilhão de reais do Fundo, um décimo (100 milhões de reais) será destinado às associações e cooperativas, com critérios como a experiência na produção da moradia e a aprovação do projeto pelo Ministério. Os restantes 900 milhões de reais irão para projetos de estados e municípios, sendo 450 milhões para construção de moradias, 400 milhões para urbanização de assentamentos precários, 20 milhões para assistência técnica e 30 milhões para elaboração de planos habitacionais, de acordo com o Ministério das Cidades.

O Plano de Aceleração do Crescimento (PAC) tem medidas para as áreas de saneamento e habitação e também é visto como uma conquista. Márcio Fortes estima cerca de 150 bilhões de reais a serem liberados nos próximos quatro anos. O governo também lançará o PAC da Mobilidade Urbana, para investimentos em transporte público.

A sanção da MP 387, a destinação de investimentos federais para o desenvolvimento urbano, o compromisso de destinação de imóveis da União para moradia popular e a aprovação da resolução que cria o Programa Nacional de Construção e Moradia são as principais “vitórias” da conferência, de acordo com a secretária-executiva do FNRU, Regina Ferreira. “São grandes conquistas, resultado de um processo longo, iniciado há mais de 20 anos”, diz.

“Conseguimos aprovar as principais diretrizes de construção de um sistema de desenvolvimento urbano. São meios de integrar as políticas setoriais, as três esferas de governo e ainda criar uma instância de controle social das políticas públicas”, explica Regina. “Saímos daqui com condições de apresentar o projeto de lei que vai instituir esse sistema”, diz, e ressalva: “A partir de agora, cobraremos permanentemente para que as resoluções da Conferência tenham efetividade, sejam implementadas”.

Em quase 30 anos de militância, Dito reconhece o momento histórico, mas enxerga um contra-senso: “Conseguimos um arcabouço institucional muito importante, mas vimos uma piora nas condições de vida, principalmente nas periferias. Na prática, ainda não conseguimos melhorar a vida do povo”.

A vila City Jaraguá, no extremo noroeste da capital paulista, é um exemplo de como os movimentos sociais podem atuar na questão da moradia. A história das 180 casas, construídas em esquema de mutirão e auto-gestão, começou em 1999. Foram três anos de reuniões até que o primeiro tijolo fosse colocado, com recursos do Fundo Municipal de Habitação. Elaine Rosa, da União Estadual por Moradia Popular (ligado ao FNRU), coordenou o mutirão e descreve:

“De início, desconfiam, acham que é mais uma enganação. Nós trabalhamos orientando e mediando conflitos. Conforme a construção se materializa, dá para ver a transformação das pessoas. Este é o grande contraponto, a mudança de postura”.

Outro exemplo fica no Brás, bairro paulistano repleto de galpões e indústrias desativadas. A fachada do número 76 da rua Joaquim Carlos parece a de um prédio residencial convencional. Mas não é. Basta reparar na mobília do hall, uma mistura de peças cedidas pelos moradores, e nos avisos colados nas paredes, a convocar para mutirões e rifas. O clima é de uma grande comunidade.

As 92 famílias que ali vivem são do movimento Unificação das Lutas de Cortiço (ULC), que integra a União Nacional por Moradia Popular e o FNRU. O edifício foi conquistado a duras penas, depois de seis anos de negociação. Em 1999, o proprietário vendeu o prédio – inviável por causa da alta inadimplência – para o Programa de Arrendamento Residencial, do governo federal. O imóvel ficou abandonado e degradado. Somente em 2006 saiu o contrato de arrendamento e uma reforma financiada pela Caixa Econômica Federal o transformou em um lugar habitável.

Não existe síndico. Maria Aparecida Pontes, a dona Cida, é da comissão criada para discutir assuntos do condomínio e comemora: “Por meio da auto-gestão, conseguimos reformular o sistema de telefonia e de segurança. Também conscientizamos os moradores para que reutilizem água e poupem energia. As conversas têm surtido efeito”.

A limpeza do prédio também é resultado de esforço coletivo. “Todo final de semana, os moradores se revezam para fazer faxina nos corredores. Realizaremos outro mutirão para limpar a caixa d'água e economizaremos 500 reais”, explica Cida, que é vice-coordenadora do ULC.

Os residentes pagam cerca de 208 reais mensais (valor mínimo), mais o condomínio, 120 reais. Em 15 anos, serão proprietários do imóvel. Os apartamentos têm de 40 a 57 metros quadrados de área e custam de 32 mil reais a 39,8 mil reais, metade do valor de mercado.

Grande parte dos moradores trabalha no centro e tem renda familiar média de 1.200 reais. Há domésticas, recém-formados, cabeleireiros, professores, funcionários públicos. Luís Bezerra Silvério mora com a esposa e duas filhas, e trabalha como segurança. “Morar perto do emprego é uma beleza. Além disso, o dinheiro do aluguel nunca mais volta. Aqui, serei dono do meu canto.” Karl Marx da Silva, que divide o apartamento com a mulher e a filha, cita outra vantagem de morar ali: “Participo das reuniões, faço parte de um conjunto. É muito diferente de quando eu pagava aluguel. Era cada um por si, não havia a noção de coletividade.”

Quer em um edifício residencial, quer em uma conferência nacional, o desafio de transformar idéias em realidade sempre se impõe. Nabil Bonduki, arquiteto e urbanista, ex-vereador paulistano e um dos que participou da concepção que resultou no Ministério das Cidades, avalia positivamente o encontro em Brasília. E enxerga um desafio bem-vindo, e imenso, pela frente: “Vamos ver a real capacidade do Conselho das Cidades de assumir o papel e viabilizar a integração entre as políticas e os ministérios”.