sexta-feira, 14 de março de 2008

diaglinho

Dois rapazes, na plataforma do metrô. Um, mais alto, mais forte e mais bonito. Outro, menorzinho, ouvinte, o típico amigo do bonitão. Este, falava sem parar. Deu pra perceber que ele pratica alguma luta. Falava de um qualquer que tinha lhe aplicado uma rasteira, e ganhado um tapa na cara.

Entram no vagão, meio vazio, 10 ou 15 pessoas. Com o barulho do trem rasgando os túneis, os dois não conseguiam mais conversar (ou o baixinho ouvir o outro). Eis que o tal começa a riscar, com uma chave ou sei lá o que, o vagão do metrô. Ele estava sentado na janela, e riscava o parapeito. Na cara dura. Rikhhh-rikhhh-rikhhh.

Eu, sentada de costas para eles, me virei e cutuquei o tríceps. Eis o diálogo que se seguiu:

- Você está riscando o metrô?
- ...Só um pouquinho. (desacretidou que alguém iria interrompê-lo, e continuou)
- Faz isso não... (ele ri, nervoso, olhando para o amigo)

E eu, apesar da vontade de fazer um discurso enorme, ou curto mesmo, sobre educação e bom senso, me contive. Ele não era o tal? Tentei argumentar em termos práticos:
- Pega mal!

E me virei, de costas para a dupla. Por alguns instantes desejei ser um mestre zen para saber desviar caso estivesse vindo em minha direção uma voadora. Não veio. Passou mais um tempo e ele me chamou, várias vezes até eu ter certeza que era comigo: "Moça, moça... moça".

- Mó besteira, né? Nada a ver.

É, meu filho, mór besteira. E eu sorri, já que ele me dizia o que dizia com a alegria de quem acaba de descobrir uma novidade tremenda, e sorria como um menino de quinta-série depois do futebol no recreio. E me virei de novo.

Depois que eles desceram, olhei para o estrago. O nome ou apelido ou grito de guerra do fulano começa com "s". De sivilidade. Ui! Essa doeu.

new color

...só testando.

:)

quinta-feira, 13 de março de 2008

Mulheres e a Mídia

Na última edição da CartaCapital, saiu esta Brasiliana sobre as mulheres e a mídia. Enquanto eu escrevia, imaginava que seria uma reportagem comum, não uma no estilo crônica da Brasiliana. Mas no rocambole do fechamento, conseguimos transformar uma coisa na outra, se é que me entendem. No fim das contas, a versão mais rica em detalhes e, digamos, sisuda, saiu apenas no digníssimo site da revista. (Pois é, ele está funcionando, mas a prometida maravilha de vídeos e fotonas grandes ainda não rolou)

Foi uma delícia entender como a mulherada está se articulando para tornar mais relevante e oficial uma reclamação tão tão tão comum a tantas mulheres. Pô, a gente cansa de ser retratada apenas como coisa. Mais legal ainda foi conhecer (pena que só por telefone), a Alcione e a Preta Gil. Gostei dessas duas. Da Alcione eu ainda não tive retorno, mas a Preta curtiu muito a reportagem, e até postou no brogue dela, que honra. Mas ela postou a versão do site. Aqui, eu apresento a versão Brasiliana - que está impressa na revista.

Comigo não, violão

“Comigo não, violão/ Na cara que mamãe beijou/ Zé Ruela nenhum bota a mão”, canta Alcione, no samba Maria da Penha, referência à lei, de 2006, que pune com mais rigor a violência doméstica contra mulheres. “Bater em mulher é onda de otário/ Não gosta do artigo, meu bem/ Sai logo do armário”, prosseguem os versos de Paulinho Rezende, feitos sob encomenda. “Eu diria isso mesmo, é a minha cara”, emenda a sambista. “Respeito é bom e a gente gosta.”

Alcione é mulher, negra e não se encaixa no padrão Gisele Bündchen. Preta Gil também. De gerações distintas, as duas têm trajetórias de vida diferentes e, apesar de circularem no ambiente artístico, não estão livres de preconceitos.

Para fazer frente ao problema, neste 8 de março, Dia Internacional da Mulher, o governo anunciou um novo plano de políticas para as mulheres, de escopo ampliado. Pela primeira vez, ao lado de temas históricos como inclusão social, educação, saúde e combate à violência e à segregação, está o item “cultura, comunicação e mídia democráticas e não discriminatórias”. Não é pouco. Envolve Alcione, Preta Gil e todas as mulheres do País. Envolve também o jornal, a novela das 8, o comercial de cerveja, o programa de auditório, enfim, toda a mídia.

“Isso aí vai dar uma briga muito grande”, prenuncia, com a voz sempre macia e risonha, Alcione. Sem medo de errar, ela afirma: “As emissoras de tevê abusam, o pessoal da propaganda também. Bunda é o que vende? Então vamos botar bunda na tevê. O problema é que a desvalorização do sexo feminino vem por aí”.

Preta Gil toma a palavra. “Muitas mulheres nem sequer imaginam que problemas como frustração, depressão e baixa auto-estima podem vir da falta de identificação com o que vêem na tela. Quem disse que só a magra, alta, de olho azul é bonita? Existem outras belezas”, diz, falando por si e pela ampla maioria da população brasileira. Nada contra Gisele, que fique claro.

“Sou atacada e me sinto sozinha. Não entendem que, embora eu não me coloque assim, sou uma voz da mulher brasileira. Muitas são como eu”, diz. Preta Gil sabe do que está falando. Ela está no meio de uma batalha judicial com alguns veículos de comunicação. No início deste ano, foi à praia no Leblon, no Rio, tomou um caldo no mar, depois uma ducha. E isso bastou para se tornar alvo de escárnio, o mais agressivo deles do programa Pânico na TV, da RedeTV!, em que uma atriz era puxada por cordas, como uma baleia atolada na praia. “Foi um exagero, um desrespeito total”, diz a atriz, chateada. “Sempre levei numa boa, deixei me sacanearem, mas agora a minha tolerância está muito baixa. Se eu não coloco limite, não sei onde as coisas vão parar”, comenta e conclui, com leveza: “A bandeira que eu levanto é a mulher ser feliz do jeito que é, buscar auto-estima. Acho importante a sociedade ter seu espelho na mídia”.

O desafio de Alcione e a angústia de Preta são apenas exemplos mais visíveis de questões comuns às mulheres. Também não é de hoje que grupos organizados se queixam. O que muda, a partir de agora, é a postura do governo, que decidiu acolher as sugestões. À frente dessa ofensiva, a ministra Nilcéa Freire, da Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres (SPM), que anuncia, em primeira mão, a criação de um observatório nacional da mídia, ainda neste ano. E explica como funcionará: “Vamos monitorar sistematicamente a imagem da mulher na mídia, em conjunto com a sociedade civil. A sociedade tem o direito de opinar, de discutir e de solicitar a retirada de algo que não esteja de acordo com os padrões éticos do que somos e do que queremos construir. Vamos criar esse diálogo”.

A iniciativa certamente dará mais peso às queixas, tão comuns quanto ignoradas, das ativistas, ainda que sejam esperadas críticas por parte de tevês e publicitários, os principais alvos. Um caso envolvendo a cervejaria Skol e a ONG Observatório da Mulher é exemplar. Em 2006, na campanha publicitária “Musa do Verão”, uma mulher loura e magra, de biquíni, era clonada e distribuída, como uma garrafa de cerveja, para homens. A ONG protestou ao Ministério Público de São Paulo, que instaurou um inquérito. Num primeiro momento, a AmBev (dona da Skol) acenou positivamente a um Termo de Ajuste de Conduta, mas não houve acordo sobre os detalhes e a empresa abandonou o diálogo. O caso está no Ministério Público Federal (MPF), e a ONG deverá entrar com uma Ação Civil Pública, agora na Justiça Federal.

Um caso com desfecho diferente, denunciado em 2003 pela Cladem-Brasil, uma rede latino-americana de ONGs, teve início depois de a cervejaria Kaiser colocar em circulação bolachas de chope onde se lia “Mulher e Kaiser: especialidades da casa”. Dessa vez houve acordo em torno de um Termo de Ajuste de Conduta. A cervejaria teve de produzir anúncios em jornais e revistas, valorizando o público feminino, além de financiar cinco seminários para reparar os danos à imagem da mulher.

Só aos poucos a tentativa de questionar o comportamento da mídia em relação às mulheres alcançou resultados mais consistentes. Em abril de 2007, uma audiência pública também no Ministério Público Federal colocou, pela primeira vez, frente a frente diretores das principais emissoras de tevê do País e entidades de mulheres, que exigiam direito de resposta. Apesar do diálogo inicial, as emissoras logo recuaram, e o direito de resposta nunca foi concedido.

“Nós vimos um duplo discurso, esbarramos nas limitações das emissoras”, avalia Rachel Moreno, integrante da Articulação Mulher e Mídia, que reúne cerca de 20 entidades sociais. Ela provoca: “Somos 52% da população, a maioria dos telespectadores, decidimos 80% do consumo. Não convém brigar com as mulheres, convém contemplá-las, respeitá-las”. E diz que, fora algumas exceções, os programas de tevê difundem valores do século passado. “O prêmio para a mulher é casar, os conflitos de classe se resolvem na cama, os modelos de comportamento são conservadores e o estereótipo da beleza é opressor.”

Apesar disso, Rachel confia que 2008 será decisivo na relação entre as mulheres e a mídia, graças a esse apoio do governo federal. “Queremos fazer um seminário nacional, junto com a secretaria, para formar núcleos de acompanhamento da mídia em todos os cantos do País”, declara. Em seguida, Rachel volta a falar o que poderia ser dito por Preta, por Alcione, por todas as mulheres do País: “Comunicação tem duas mãos. Controle social não é censura, é diálogo. Queremos ser bem representadas e ser tratadas com respeito pelos veículos de comunicação”.

Ao que o samba de Alcione arremata: “Sou brasileira, guerreira/ Não tô de bobeira/ Não pague pra ver”.