sexta-feira, 21 de novembro de 2008

roteirando

analógica e intuitivamente

quarta-feira, 5 de novembro de 2008

que bonito é...


...acreditar!

quinta-feira, 12 de junho de 2008

edição especial

acaba de começar a Segundona. De verdade, agora que tudo - quer dizer, um sexto - do que eu tenho feito está em outra dimensão. Que não é blog, que não é texto, que não é nada. não é foto, não é vídeo, que não é tudo. hummm... haha

Hoje o timão perdeu pro Sport na final da Copa do Brasil. Era o que faltava pra começar de verdade - creio - o meu projeto paralelo de fazer um documentário sobre o Timão na Segundona.

Fiel: A Saga da Segundona

É este o título provisório. Da nossa idéia que é de seis pessoas , mas que tem mais por trás. Só vai rolar, quando tiver a base - seja ela a grana, a fé, o roteiro pronto, a engrenagem rolando. O azeite na máquina.

Até lá, eu tenho que aprender um pouco sobre outras formas de expressão. Diferentes da palavra. Outras formas de arte. Uma arte mais visual, mais fotográfica e também mais musical, mais editada, mais técnica, mais cara de fazer, mais COLETIVA, ainda que capitalista. hahaha

Nem que seja - e talvez seja. Para eu escrever e não ser lido. É pra eu reaprender a me comunicar. Sem palavras. Com coletividade de idéias, compreensão, senso de grupo, confiança, profissionalismo, honestidade. Se não, não vai rolar. Ou eu vou estar fora, fazendo _ quem sabe_ isso melhor em outra janela.

Sendo criança sempre. Envelhecendo e descobrindo. Muleque que eu sou. Moleca.

Deslizando por onde não é prosa nem poesia. ou nem poema. No escuro, como aquele. Em que cada frase é uma obra de arte sozinha. E cada conjunto um tudo muito louco, íntimo, denso, feminino, amargurado. De um tudo muito louco. De um tudo.

quarta-feira, 9 de abril de 2008

Até b-logo

Não blogo mais. Aliás, nota-se, né? Hehe... Este post não é uma despedida. É só um aviso de que a vida fora deste login anda exigindo mais presença, e o tempo cuidadoso necessário para o brogue florir fica menor.

Li um livro lindo, "Carta a D.", do André Gorz, e gostei tanto que pedi para escrever uma recomendação dele na edição da CartaCapital que está nas bancas essa semana. Gostei demais.

Estou relendo outro, "Felicidade Clandestina", da Clarice Lispector. Conforme diz a orelha, cada frase ali podia estar isolada das demais, que mesmo assim seria poesia, força, completude. Avemaria.

E ando recebendo as aulinhas para adolescentes de "O Mundo de Sofia", de um norueguês que não lembro o nome (eu sei, esse pega até mal falar que estou gostando. Mas devo estar. Eu e minha pré-adolescência no tema).

Bão, mas é ilson...

:)

Por ora.

.

sexta-feira, 14 de março de 2008

diaglinho

Dois rapazes, na plataforma do metrô. Um, mais alto, mais forte e mais bonito. Outro, menorzinho, ouvinte, o típico amigo do bonitão. Este, falava sem parar. Deu pra perceber que ele pratica alguma luta. Falava de um qualquer que tinha lhe aplicado uma rasteira, e ganhado um tapa na cara.

Entram no vagão, meio vazio, 10 ou 15 pessoas. Com o barulho do trem rasgando os túneis, os dois não conseguiam mais conversar (ou o baixinho ouvir o outro). Eis que o tal começa a riscar, com uma chave ou sei lá o que, o vagão do metrô. Ele estava sentado na janela, e riscava o parapeito. Na cara dura. Rikhhh-rikhhh-rikhhh.

Eu, sentada de costas para eles, me virei e cutuquei o tríceps. Eis o diálogo que se seguiu:

- Você está riscando o metrô?
- ...Só um pouquinho. (desacretidou que alguém iria interrompê-lo, e continuou)
- Faz isso não... (ele ri, nervoso, olhando para o amigo)

E eu, apesar da vontade de fazer um discurso enorme, ou curto mesmo, sobre educação e bom senso, me contive. Ele não era o tal? Tentei argumentar em termos práticos:
- Pega mal!

E me virei, de costas para a dupla. Por alguns instantes desejei ser um mestre zen para saber desviar caso estivesse vindo em minha direção uma voadora. Não veio. Passou mais um tempo e ele me chamou, várias vezes até eu ter certeza que era comigo: "Moça, moça... moça".

- Mó besteira, né? Nada a ver.

É, meu filho, mór besteira. E eu sorri, já que ele me dizia o que dizia com a alegria de quem acaba de descobrir uma novidade tremenda, e sorria como um menino de quinta-série depois do futebol no recreio. E me virei de novo.

Depois que eles desceram, olhei para o estrago. O nome ou apelido ou grito de guerra do fulano começa com "s". De sivilidade. Ui! Essa doeu.

new color

...só testando.

:)

quinta-feira, 13 de março de 2008

Mulheres e a Mídia

Na última edição da CartaCapital, saiu esta Brasiliana sobre as mulheres e a mídia. Enquanto eu escrevia, imaginava que seria uma reportagem comum, não uma no estilo crônica da Brasiliana. Mas no rocambole do fechamento, conseguimos transformar uma coisa na outra, se é que me entendem. No fim das contas, a versão mais rica em detalhes e, digamos, sisuda, saiu apenas no digníssimo site da revista. (Pois é, ele está funcionando, mas a prometida maravilha de vídeos e fotonas grandes ainda não rolou)

Foi uma delícia entender como a mulherada está se articulando para tornar mais relevante e oficial uma reclamação tão tão tão comum a tantas mulheres. Pô, a gente cansa de ser retratada apenas como coisa. Mais legal ainda foi conhecer (pena que só por telefone), a Alcione e a Preta Gil. Gostei dessas duas. Da Alcione eu ainda não tive retorno, mas a Preta curtiu muito a reportagem, e até postou no brogue dela, que honra. Mas ela postou a versão do site. Aqui, eu apresento a versão Brasiliana - que está impressa na revista.

Comigo não, violão

“Comigo não, violão/ Na cara que mamãe beijou/ Zé Ruela nenhum bota a mão”, canta Alcione, no samba Maria da Penha, referência à lei, de 2006, que pune com mais rigor a violência doméstica contra mulheres. “Bater em mulher é onda de otário/ Não gosta do artigo, meu bem/ Sai logo do armário”, prosseguem os versos de Paulinho Rezende, feitos sob encomenda. “Eu diria isso mesmo, é a minha cara”, emenda a sambista. “Respeito é bom e a gente gosta.”

Alcione é mulher, negra e não se encaixa no padrão Gisele Bündchen. Preta Gil também. De gerações distintas, as duas têm trajetórias de vida diferentes e, apesar de circularem no ambiente artístico, não estão livres de preconceitos.

Para fazer frente ao problema, neste 8 de março, Dia Internacional da Mulher, o governo anunciou um novo plano de políticas para as mulheres, de escopo ampliado. Pela primeira vez, ao lado de temas históricos como inclusão social, educação, saúde e combate à violência e à segregação, está o item “cultura, comunicação e mídia democráticas e não discriminatórias”. Não é pouco. Envolve Alcione, Preta Gil e todas as mulheres do País. Envolve também o jornal, a novela das 8, o comercial de cerveja, o programa de auditório, enfim, toda a mídia.

“Isso aí vai dar uma briga muito grande”, prenuncia, com a voz sempre macia e risonha, Alcione. Sem medo de errar, ela afirma: “As emissoras de tevê abusam, o pessoal da propaganda também. Bunda é o que vende? Então vamos botar bunda na tevê. O problema é que a desvalorização do sexo feminino vem por aí”.

Preta Gil toma a palavra. “Muitas mulheres nem sequer imaginam que problemas como frustração, depressão e baixa auto-estima podem vir da falta de identificação com o que vêem na tela. Quem disse que só a magra, alta, de olho azul é bonita? Existem outras belezas”, diz, falando por si e pela ampla maioria da população brasileira. Nada contra Gisele, que fique claro.

“Sou atacada e me sinto sozinha. Não entendem que, embora eu não me coloque assim, sou uma voz da mulher brasileira. Muitas são como eu”, diz. Preta Gil sabe do que está falando. Ela está no meio de uma batalha judicial com alguns veículos de comunicação. No início deste ano, foi à praia no Leblon, no Rio, tomou um caldo no mar, depois uma ducha. E isso bastou para se tornar alvo de escárnio, o mais agressivo deles do programa Pânico na TV, da RedeTV!, em que uma atriz era puxada por cordas, como uma baleia atolada na praia. “Foi um exagero, um desrespeito total”, diz a atriz, chateada. “Sempre levei numa boa, deixei me sacanearem, mas agora a minha tolerância está muito baixa. Se eu não coloco limite, não sei onde as coisas vão parar”, comenta e conclui, com leveza: “A bandeira que eu levanto é a mulher ser feliz do jeito que é, buscar auto-estima. Acho importante a sociedade ter seu espelho na mídia”.

O desafio de Alcione e a angústia de Preta são apenas exemplos mais visíveis de questões comuns às mulheres. Também não é de hoje que grupos organizados se queixam. O que muda, a partir de agora, é a postura do governo, que decidiu acolher as sugestões. À frente dessa ofensiva, a ministra Nilcéa Freire, da Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres (SPM), que anuncia, em primeira mão, a criação de um observatório nacional da mídia, ainda neste ano. E explica como funcionará: “Vamos monitorar sistematicamente a imagem da mulher na mídia, em conjunto com a sociedade civil. A sociedade tem o direito de opinar, de discutir e de solicitar a retirada de algo que não esteja de acordo com os padrões éticos do que somos e do que queremos construir. Vamos criar esse diálogo”.

A iniciativa certamente dará mais peso às queixas, tão comuns quanto ignoradas, das ativistas, ainda que sejam esperadas críticas por parte de tevês e publicitários, os principais alvos. Um caso envolvendo a cervejaria Skol e a ONG Observatório da Mulher é exemplar. Em 2006, na campanha publicitária “Musa do Verão”, uma mulher loura e magra, de biquíni, era clonada e distribuída, como uma garrafa de cerveja, para homens. A ONG protestou ao Ministério Público de São Paulo, que instaurou um inquérito. Num primeiro momento, a AmBev (dona da Skol) acenou positivamente a um Termo de Ajuste de Conduta, mas não houve acordo sobre os detalhes e a empresa abandonou o diálogo. O caso está no Ministério Público Federal (MPF), e a ONG deverá entrar com uma Ação Civil Pública, agora na Justiça Federal.

Um caso com desfecho diferente, denunciado em 2003 pela Cladem-Brasil, uma rede latino-americana de ONGs, teve início depois de a cervejaria Kaiser colocar em circulação bolachas de chope onde se lia “Mulher e Kaiser: especialidades da casa”. Dessa vez houve acordo em torno de um Termo de Ajuste de Conduta. A cervejaria teve de produzir anúncios em jornais e revistas, valorizando o público feminino, além de financiar cinco seminários para reparar os danos à imagem da mulher.

Só aos poucos a tentativa de questionar o comportamento da mídia em relação às mulheres alcançou resultados mais consistentes. Em abril de 2007, uma audiência pública também no Ministério Público Federal colocou, pela primeira vez, frente a frente diretores das principais emissoras de tevê do País e entidades de mulheres, que exigiam direito de resposta. Apesar do diálogo inicial, as emissoras logo recuaram, e o direito de resposta nunca foi concedido.

“Nós vimos um duplo discurso, esbarramos nas limitações das emissoras”, avalia Rachel Moreno, integrante da Articulação Mulher e Mídia, que reúne cerca de 20 entidades sociais. Ela provoca: “Somos 52% da população, a maioria dos telespectadores, decidimos 80% do consumo. Não convém brigar com as mulheres, convém contemplá-las, respeitá-las”. E diz que, fora algumas exceções, os programas de tevê difundem valores do século passado. “O prêmio para a mulher é casar, os conflitos de classe se resolvem na cama, os modelos de comportamento são conservadores e o estereótipo da beleza é opressor.”

Apesar disso, Rachel confia que 2008 será decisivo na relação entre as mulheres e a mídia, graças a esse apoio do governo federal. “Queremos fazer um seminário nacional, junto com a secretaria, para formar núcleos de acompanhamento da mídia em todos os cantos do País”, declara. Em seguida, Rachel volta a falar o que poderia ser dito por Preta, por Alcione, por todas as mulheres do País: “Comunicação tem duas mãos. Controle social não é censura, é diálogo. Queremos ser bem representadas e ser tratadas com respeito pelos veículos de comunicação”.

Ao que o samba de Alcione arremata: “Sou brasileira, guerreira/ Não tô de bobeira/ Não pague pra ver”.

segunda-feira, 25 de fevereiro de 2008

Adeus, casarão



(Esta reportagem saiu na edição da CartaCapital que está nas bancas essa semana. É daquelas deliciosas de fazer. Eu sempre passo em frente a esse casarão e, enfim, descobri o que há lá dentro. Adorei conhecer a história de vida dessa senhorinha, que me deu a honra de contá-la nas páginas da revista. E agora divido com vocês)





O texto é meu, as fotos são da Olga Vlahou, editora de fotografia




Adeus, casarão

O casarão cinzento de janelas sempre fechadas, ao lado do Conjunto Nacional, próximo à avenida Paulista, está prestes a desaparecer. Por vontade dos proprietários, será demolida a construção de 1911, localizada na movimentada esquina da alameda Santos com a rua Padre João Manuel. Com ela, chegará ao fim também a história de vida de dona Emília Mathias Serafim. Lúcida, bem de saúde e a poucos dias de completar 80 anos, ela se prepara para deixar a residência onde entrou aos 14 anos, para ser copeira a 80 mil-réis mensais, de onde nunca mais saiu.



Em 66 anos de trabalho, dona Emília abdicou de tudo que não fosse dedicação e afeto à família do Barão e da Baronesa de Bocaina (Francisco de Paula Vicente de Azevedo e Cecília Galvão Vicente de Azevedo, mortos em 1976 e 1974, respectivamente). Ela desenvolveu uma ligação especial com a primogênita Maria Cecília Vicente de Azevedo, falecida em julho do ano passado, aos 93 anos, a quem chama de Minha Santinha. Desde a morte, dona Emília está só.



Nessas seis décadas, a cidade de São Paulo tratou de crescer, “as casas foram desabando, uma a uma”, enfear, “os jardins eram tão lindos”, e ficar estranha, “um aglomerado de gente onde ninguém mais se conhece”. “Tenho saudades de quando a gente andava de bonde. Eu ia até a Igreja Imaculada Conceição, na avenida Brigadeiro, ou descia a rua Augusta, para visitar minha mãe”, diz.



“Também ia muito ao cinema, ver John Wayne, Henry Fonda. Gostava dos filmes de caubói e de Fred Astaire”. Até o casarão, que por muito tempo ostentou paredes cor creme-amarelado e venezianas marrons, tratou de ficar cinza. Sucumbiu. Dona Emília estima que há uns 30 anos a imensa janela da sala de estar não é aberta. O interior, intacto, cheira a casa de vovó. Toda a decoração permanece ao gosto da Baronesa de Bocaina, mãe de Maria Cecília. A mobília estofada, as cortinas de veludo, as rendas nas janelas, os quadros e fotos com molduras douradas. Até a velha harpa ainda repousa na saleta de visitas. Todos os objetos estão numerados e etiquetados, prontos para ser levados dali, o que deve acontecer em poucas semanas.



Dona Emília também irá embora. Não tem escolha. Nem melancolia. “É uma vida, e nada vive para sempre”, ensina. A seu lado, Maria do Rosário, a irmã mais nova, assente e diz, acolhedora: “Minha missão agora é olhar por ela”.




Emília teve parte da perna direita amputada, em 2006, devido a uma trombose, e está em uma cadeira de rodas. Durante a conversa, precisou tomar fôlego algumas vezes para concluir frases longas, sorriu com facilidade e, comedida, espremeu os olhinhos para tentar segurar gargalhadas. Como ao recordar um costume dos patrões: “Nessa casa nunca houve briga, a não ser quando eles jogavam buraco. Era a única hora”, ri, e imita o casal.



De copeira, Emília passou a cozinheira e, por mais tempo, governanta. “A casa vivia cheia, eram cinco filhos, amigos, parentes e políticos”, diz, mencionando Jânio Quadros como presença freqüente. “O doutor Azevedo foi secretário da Fazenda”, afirma, com reservas. Ela lista as datas mais festivas no casarão: o Natal, o 16 de dezembro (casamento dos patrões), o 4 de abril (aniversário da baronesa) e o 20 de abril (aniversário do barão). “No Ano Bom nós sempre folgávamos”, emenda.



Emília não se casou. E mal se deu conta disso. “Nunca fui de namorico. Depois é que percebi que fiquei velha, que passou o tempo, que não vivi”, ri de si mesma. Ela não tem dificuldade, porém, de mencionar qual foi o dia mais marcante de sua vida. Ao completar 50 anos de serviço (em 1992), os patrões lhe ofereceram uma festa em homenagem. Um jantar especial. Nessa noite, ela usou um vestido de seda preto e cinza e um colar de pérolas que Maria Cecília lhe dera. “Nunca me senti tão agradecida, tão feliz e importante”, diz.



As duas, Maria Cecília e Emília, eram muito próximas. Todas as noites “depois que os anjos baixam as asas”, ou seja, quando até os empregados se recolhiam para dormir, elas se sentavam na copa para papear. Combinavam o dia seguinte, falavam da família, riam. “Às vezes íamos até 1h30 da manhã. Depois ela ainda queria cochilar na poltrona, mas eu dizia, ‘Vai dormir, mulher!’”, diverte-se Emília para, em seguida, calar-se. Faz uma pausa, olha para o teto, engole seco. “Infelizmente, ela não está mais aqui”, diz, emocionada.



Por conta da dificuldade de locomoção, Emília passou para Maria do Rosário a incumbência de manter uma tradição iniciada em meados dos anos 1950 por Maria Cecília. Todas as manhãs, de 90 a 100 moradores de rua recebem um copo de café com leite e um pão com manteiga. Pontualmente às 7h30, exceto aos domingos.



A rotina não mudou, mas ficou prejudicada durante os três dias em que o casarão viveu um turbilhão que Emília jamais imaginou. Em maio do ano passado, com a patroa ainda viva, a governanta foi convidada a fazer os doces oferecidos ao papa Bento XVI, em visita ao País. Doceira de mão cheia, ela executou as receitas tradicionais “com massa de ovos mesmo, gema e açúcar, não como se faz hoje”, ensinadas por Maria Cecília, que é sobrinha-tetraneta do Frei Galvão. No Brasil, o pontífice canonizou o religioso.



Cozinhar para o papa foi uma surpresa e uma honra. “Deus que me perdoe, mas, quando o vi na televisão pela primeira vez, não fui muito com a cara dele”, confessa, rindo. Emília ainda cultiva uma religiosidade tão perdida no tempo quanto o seu estilo de vida. Todas as tardes, por volta das 16h30, o padre Pascoal, “o capelão da família”, bate às portas do casarão. Ele traz a hóstia e uma batina improvisada. Juntos em um canto reservado, Emília e o padre rezam, ela comunga, ele se vai.



Na copa, no fim de tarde, o ruído dos ônibus e carros na alameda Santos faz questão de nos lembrar que estamos, ao contrário do que tudo indica, em 2008. Hoje é a copeira Maria de Lourdes Assunção, de 65 anos, quem serve Emília e a irmã. “Elas são muito boas, Nossa Senhora, não existe igual”. A auxiliar de enfermagem Elaine Sales de Oliveira, de 26 anos, diz o mesmo. “É uma honra cuidar dela. Graças a Deus, ela está bem, só fazemos os controles.”



Dona Emília despede-se. Fica na copa, onde se sente mais em casa. Sentada bem em frente à mesinha na qual passou tantas madrugadas com a patroa. Quando os anjos baixarem as asas, estarão juntas de novo.





PS1: Não está reportagem impressa, mas vale dizer (alguns leitores até escreveram perguntando) que dona Emília tem boa condição financeira e vai escolher, junto com a irmã, Maria do Rosário, entre dois apartamentos para morar. Ambos na cidade e não muito longe dali.
PS2: O casarão não é tombado pelo Patrimônio Histórico. Mas, enquanto estiver de pé, qualquer associação de bairro ou mesmo morador da cidade pode solicitar o tombamento junto ao Conpresp, órgão da prefeitura responsável por isso. Se o Conpresp acatar o pedido, inicia-se um processo que poderá ou não resultar na preservação do imóvel.

quinta-feira, 14 de fevereiro de 2008

canudinho fino

A CartaCapital está para estrear o novo site. Mais moderno, mais bonito, mais ágil e com mais recursos. Na verdade, ele já está no ar, mas a equipe ainda sofre para resolver uma série de probleminhas técnicos que impedem o potencial de recursos funcionar.

No meio desse processo técnico, há uma reportagem minha, que deu muito trabalho e muito prazer de fazer, sobre as favelas cariocas. Ou sobre a expectativa das obras do PAC nas favelas cariocas. No início de janeiro, estive no Rio e fiz um giro básico no Cantagalo, Pavão/Pavãozinho e Rocinha, além do escritório de arquitetos, engenheiros e gente do governo.

O resultado está disponível no novo site da revista. Por enquanto, sem a maioria das fotos e, infelizmente, sem os vídeos (tem dois vídeos da subida da Rocinha na garupa de um mototaxi que são ótimos!...). Ainda me sinto tomando uma vitamina de canudinho fino, mas vai passar.

Daqui a pouco a coisa engrena, bonita, e eu coloco os links turbinados (com fotos e vídeos) aqui.

sim

Não ia dizer isso aqui, mas vou. Há umas três semanas, comprei o CD e conheci a Vanessa da Mata.

Adorei.

Depois de, estranhamente nesses tempos pods, eu ter escolhido comprar a música em uma loja (sempre gostei dos encartes...), ainda me vi escutando e escutando e escutando, repetidas vezes, o sonzinho dela.

Era isso.

quinta-feira, 24 de janeiro de 2008

desejo e reparação

(Esperei quase dois anos para fazer esta reportagem. No começo, a idéia era boa, mas ainda era só uma idéia. Depois, as coisas já estavam acontecendo, mas faltava o momento certo para sugerir a pauta. Finalmente, em dezembro fui conhecer o pessoal da Rukha, a "ong dos playboys", e pude acompanhar uma reunião do grupo e também visitar os projetos, no meio do Capão Redondo. Acho uma notícia e tanto manos e playboys reconhecerem objetivos comuns e trabalharem juntos. E achei muito legal ir ver qual é. O texto acaba de sair, na edição 480 da CartaCapital)

Pontes em São Paulo
Por Phydia de Athayde

Todas as quartas-feiras pela manhã, um Ford EcoSport e, por vezes, uma Land Rover, atravessam os quase 20 quilômetros que separam o valorizado bairro do Itaim Bibi do pobre e violento Capão Redondo, na zona sul paulistana. Os veículos terminam o trajeto em frente a uma casa alugada, o chamado “Posto Avançado” no Capão. São quase 9 horas e está para começar a reunião semanal do Instituto Rukha, ou a “ONG dos playboys”, numa classificação provocativa, mas não de todo errada.

Enquanto coordenadores e educadores se acomodam na sala, Rosemeire Silva Santos chega no recinto e cumprimenta a todos. Ela é mãe de Lucas, de 11 anos, que até o ano passado podia ser encontrado pedindo dinheiro para Land Rovers e EcoSports nos semáforos do Itaim. “Eles chegaram até mim através dos meus filhos”, diz, referindo-se ao Projeto Virada (o primeiro do Rukha), que consiste em abordar e convencer não apenas a criança, mas a família, a deixar de esmolar em troca de freqüentar escola, projetos socioeducativos e cursos de formação. E de uma bolsa mensal de 350 reais – menos, é bom frisar, do que se ganha nos semáforos.

Meire topou. Tornou-se líder comunitária. “Eles oferecem não só a virada da criança, mas dos pais. Eu tinha muito ódio, era agressiva, e hoje me vejo capaz de perdoar, de mudar. Sei que posso até ser uma possível conselheira tutelar”, ambiciona.

Às 9h20, Marcelo Loureiro, empresário, criador da grife Mandi, pinta de surfista, olhos azuis, abre a reunião. Hoje está ausente outro empresário, o milionário e fundador do Rukha, Marcos de Moraes.

Yusaku Soussumi, psiquiatra e pesquisador em neuropsicanálise, também fundou a ONG. Assim como metade dos presentes, Soussumi atravessou a ponte para chegar ao Capão. Geograficamente, significa deixar o centro desenvolvido da cidade, vencer os poluídos rio Pinheiros ou Tietê, e adentrar a periferia. Mas também tem outros sentidos.

Ice Blue, integrante do grupo de rap mais influente do País, os Racionais MC’s, pinta de artista, negro, ex-favelado, também atravessou alguma ponte para estar ali, como colaborador do Rukha. “Já não me encaixo na favela, também não sou playboy, sou mais classe média. Mas é uma mudança de valores muito radical. Entro em conflito toda hora”, admite o rapper. Em dezembro, Blue dividiu o palco com Luciano Huck (aquele, da polêmica do Rolex roubado) no festival de música Power to the Peaceful, que teve renda revertida para os projetos do Rukha.

Na reunião, Loureiro diz ao grupo que a bilheteria não rendeu o esperado. “Mas, no final, os patrocinadores estavam ali, maravilhados, e aproveitei para pedir mais 20 mil reais de cada um”, diz. Com isso, o festival rendeu 155 mil reais.

Mas os ganhos parecem ainda maiores. Marcio Blatt Braun, morador de Santa Cecília (no centro de São Paulo), educador, fala de aproximações. “Os caras do Periferia Ativa até me chamaram pra assistir a um jogo de futebol com eles”, afirma, referindo-se aos integrantes do grupo de rap Negredo, que cuidam da Biblioteca Êxodus, outra parceira do Rukha. A biblioteca, no miolo da favela, foi criada pelo rapper Mano Brown e pelo escritor Ferréz (aquele, da polêmica do Rolex roubado).

“E eu? Tava conversando com um cara durante o show, mó gente boa, depois soube que ele era um puta ricão. Eu, que tinha uma visão de que todo boy é foda”, acrescenta, meio encabulado, meio rindo, Johnny William Borges, morador do Capão e também educador do Instituto.

Conhecer o Rukha é curioso por ser tão contraditório e tão real. A começar pelo nome, que em aramaico significa “sopro de vida”. Quem é da favela pronuncia “rúka”. Quem não é, “(u)rúrra” – iniciando com o som do erre entre vogais. Só ouvindo pra entender.

Ice Blue fala “rúka”. Marcelo Loureiro, “(u)rúrra”. Os dois se conheceram em 2003. Blue gostou quando Loureiro não tremeu diante do convite para conhecer “o lado de lá” da ponte. Loureiro gostou da chance de aproximar os dois lados. Para a Rukha surgir como ONG, Marcos de Moraes exigiu o que chama de “excelência na gestão do negócio”, como explica Luiz Alfaya, diretor-presidente do Instituto, ex-publicitário, olhos azuis que brilham quando fala do trabalho.

A reunião termina perto das 11h30. É hora de dar um giro pelos projetos parceiros. A começar pela Êxodus, por onde se chega depois de percorrer 20 metros de uma viela estreita e coberta, que mais parece um túnel grafitado. Lá, Alexandre Rocha, o DJ Alê, que também é produtor do Negredo, conta a história do local. Além dos livros, há cursos de vídeo, de dança de salão e de DJ. Ele, mano, fala da chegada dos playboys por ali.

“Pode parecer que a gente tem problema com o outro lado, mas a gente não tem. Só não queremos ser tratados como coitadinhos”, anuncia. “Quando eles chegaram, a gente deu corda pra ver qual era, se era oba-oba ou se era pra ajudar de verdade. Tem muita ONG que é fachada, lavagem de dinheiro, mas eles estão pegando os lugares que têm um trabalho sério”, acredita.

A poucas quadras dali fica a Escola Estadual Café Filho, cuja biblioteca foi reformada pelo Rukha (por meio da Parceiros da Educação, iniciativa de outro empresário, e “playboy”, Jair Ribeiro). Em frente à escola há uma pracinha simpática, com muros grafitados e brinquedos de madeira. “Aqui era um matagal, tinha até cachorro morto”, diz Alfaya. O Rukha quis reformá-la e descobriu que ONGs, subprefeitura e associações de bairro não se falavam. Pior, competiam. “Foi quase um ano de conversa até eles decidirem cuidar juntos da praça. Inclusive a subprefeitura, já que não há solução que não passe pelo Estado”, prega Alfaya.

Mais algum sobe-e-desce pelo bairro, que alterna casas de classe média baixa com vielas que levam a favelas propriamente ditas, como a que abriga o Capão Cidadão. Alfaya estaciona ao lado do campinho de futebol da ONG e, ao sair da EcoSport, é enquadrado por dois garotos:

– Você é da onde? Da Rúka?

– Sou. E você? É do Virada?

“Sou”, responde um orgulhoso Julio César, de 14 anos. “Eu também queria, mas não tem vaga pra mim”, reclama Diego Rocha, também de 14 anos. Os meninos cumprimentam Alfaya com o gestual da periferia: batem as palmas das mãos e, depois, batem as mãos fechadas em punho. E correm para o campinho.

O giro ainda inclui a Casa do Zezinho, instituição multidisciplinar que há mais de 14 anos educa crianças, os “zezinhos”, e orienta as famílias. Ao contrário dos outros parceiros, com trabalhos incipientes, a Casa anda sozinha há muito. Então o Rukha decidiu fazer um documentário para contar essa história. E atrair mais patrocinadores. “Eles atravessam a ponte”, enxerga Tia Dag, responsável pela Casa, e conclui, resumindo a onda desses playboys: “Eles levam daqui pra lá, de lá pra cá. É isso que tem de ser feito”.