segunda-feira, 25 de fevereiro de 2008

Adeus, casarão



(Esta reportagem saiu na edição da CartaCapital que está nas bancas essa semana. É daquelas deliciosas de fazer. Eu sempre passo em frente a esse casarão e, enfim, descobri o que há lá dentro. Adorei conhecer a história de vida dessa senhorinha, que me deu a honra de contá-la nas páginas da revista. E agora divido com vocês)





O texto é meu, as fotos são da Olga Vlahou, editora de fotografia




Adeus, casarão

O casarão cinzento de janelas sempre fechadas, ao lado do Conjunto Nacional, próximo à avenida Paulista, está prestes a desaparecer. Por vontade dos proprietários, será demolida a construção de 1911, localizada na movimentada esquina da alameda Santos com a rua Padre João Manuel. Com ela, chegará ao fim também a história de vida de dona Emília Mathias Serafim. Lúcida, bem de saúde e a poucos dias de completar 80 anos, ela se prepara para deixar a residência onde entrou aos 14 anos, para ser copeira a 80 mil-réis mensais, de onde nunca mais saiu.



Em 66 anos de trabalho, dona Emília abdicou de tudo que não fosse dedicação e afeto à família do Barão e da Baronesa de Bocaina (Francisco de Paula Vicente de Azevedo e Cecília Galvão Vicente de Azevedo, mortos em 1976 e 1974, respectivamente). Ela desenvolveu uma ligação especial com a primogênita Maria Cecília Vicente de Azevedo, falecida em julho do ano passado, aos 93 anos, a quem chama de Minha Santinha. Desde a morte, dona Emília está só.



Nessas seis décadas, a cidade de São Paulo tratou de crescer, “as casas foram desabando, uma a uma”, enfear, “os jardins eram tão lindos”, e ficar estranha, “um aglomerado de gente onde ninguém mais se conhece”. “Tenho saudades de quando a gente andava de bonde. Eu ia até a Igreja Imaculada Conceição, na avenida Brigadeiro, ou descia a rua Augusta, para visitar minha mãe”, diz.



“Também ia muito ao cinema, ver John Wayne, Henry Fonda. Gostava dos filmes de caubói e de Fred Astaire”. Até o casarão, que por muito tempo ostentou paredes cor creme-amarelado e venezianas marrons, tratou de ficar cinza. Sucumbiu. Dona Emília estima que há uns 30 anos a imensa janela da sala de estar não é aberta. O interior, intacto, cheira a casa de vovó. Toda a decoração permanece ao gosto da Baronesa de Bocaina, mãe de Maria Cecília. A mobília estofada, as cortinas de veludo, as rendas nas janelas, os quadros e fotos com molduras douradas. Até a velha harpa ainda repousa na saleta de visitas. Todos os objetos estão numerados e etiquetados, prontos para ser levados dali, o que deve acontecer em poucas semanas.



Dona Emília também irá embora. Não tem escolha. Nem melancolia. “É uma vida, e nada vive para sempre”, ensina. A seu lado, Maria do Rosário, a irmã mais nova, assente e diz, acolhedora: “Minha missão agora é olhar por ela”.




Emília teve parte da perna direita amputada, em 2006, devido a uma trombose, e está em uma cadeira de rodas. Durante a conversa, precisou tomar fôlego algumas vezes para concluir frases longas, sorriu com facilidade e, comedida, espremeu os olhinhos para tentar segurar gargalhadas. Como ao recordar um costume dos patrões: “Nessa casa nunca houve briga, a não ser quando eles jogavam buraco. Era a única hora”, ri, e imita o casal.



De copeira, Emília passou a cozinheira e, por mais tempo, governanta. “A casa vivia cheia, eram cinco filhos, amigos, parentes e políticos”, diz, mencionando Jânio Quadros como presença freqüente. “O doutor Azevedo foi secretário da Fazenda”, afirma, com reservas. Ela lista as datas mais festivas no casarão: o Natal, o 16 de dezembro (casamento dos patrões), o 4 de abril (aniversário da baronesa) e o 20 de abril (aniversário do barão). “No Ano Bom nós sempre folgávamos”, emenda.



Emília não se casou. E mal se deu conta disso. “Nunca fui de namorico. Depois é que percebi que fiquei velha, que passou o tempo, que não vivi”, ri de si mesma. Ela não tem dificuldade, porém, de mencionar qual foi o dia mais marcante de sua vida. Ao completar 50 anos de serviço (em 1992), os patrões lhe ofereceram uma festa em homenagem. Um jantar especial. Nessa noite, ela usou um vestido de seda preto e cinza e um colar de pérolas que Maria Cecília lhe dera. “Nunca me senti tão agradecida, tão feliz e importante”, diz.



As duas, Maria Cecília e Emília, eram muito próximas. Todas as noites “depois que os anjos baixam as asas”, ou seja, quando até os empregados se recolhiam para dormir, elas se sentavam na copa para papear. Combinavam o dia seguinte, falavam da família, riam. “Às vezes íamos até 1h30 da manhã. Depois ela ainda queria cochilar na poltrona, mas eu dizia, ‘Vai dormir, mulher!’”, diverte-se Emília para, em seguida, calar-se. Faz uma pausa, olha para o teto, engole seco. “Infelizmente, ela não está mais aqui”, diz, emocionada.



Por conta da dificuldade de locomoção, Emília passou para Maria do Rosário a incumbência de manter uma tradição iniciada em meados dos anos 1950 por Maria Cecília. Todas as manhãs, de 90 a 100 moradores de rua recebem um copo de café com leite e um pão com manteiga. Pontualmente às 7h30, exceto aos domingos.



A rotina não mudou, mas ficou prejudicada durante os três dias em que o casarão viveu um turbilhão que Emília jamais imaginou. Em maio do ano passado, com a patroa ainda viva, a governanta foi convidada a fazer os doces oferecidos ao papa Bento XVI, em visita ao País. Doceira de mão cheia, ela executou as receitas tradicionais “com massa de ovos mesmo, gema e açúcar, não como se faz hoje”, ensinadas por Maria Cecília, que é sobrinha-tetraneta do Frei Galvão. No Brasil, o pontífice canonizou o religioso.



Cozinhar para o papa foi uma surpresa e uma honra. “Deus que me perdoe, mas, quando o vi na televisão pela primeira vez, não fui muito com a cara dele”, confessa, rindo. Emília ainda cultiva uma religiosidade tão perdida no tempo quanto o seu estilo de vida. Todas as tardes, por volta das 16h30, o padre Pascoal, “o capelão da família”, bate às portas do casarão. Ele traz a hóstia e uma batina improvisada. Juntos em um canto reservado, Emília e o padre rezam, ela comunga, ele se vai.



Na copa, no fim de tarde, o ruído dos ônibus e carros na alameda Santos faz questão de nos lembrar que estamos, ao contrário do que tudo indica, em 2008. Hoje é a copeira Maria de Lourdes Assunção, de 65 anos, quem serve Emília e a irmã. “Elas são muito boas, Nossa Senhora, não existe igual”. A auxiliar de enfermagem Elaine Sales de Oliveira, de 26 anos, diz o mesmo. “É uma honra cuidar dela. Graças a Deus, ela está bem, só fazemos os controles.”



Dona Emília despede-se. Fica na copa, onde se sente mais em casa. Sentada bem em frente à mesinha na qual passou tantas madrugadas com a patroa. Quando os anjos baixarem as asas, estarão juntas de novo.





PS1: Não está reportagem impressa, mas vale dizer (alguns leitores até escreveram perguntando) que dona Emília tem boa condição financeira e vai escolher, junto com a irmã, Maria do Rosário, entre dois apartamentos para morar. Ambos na cidade e não muito longe dali.
PS2: O casarão não é tombado pelo Patrimônio Histórico. Mas, enquanto estiver de pé, qualquer associação de bairro ou mesmo morador da cidade pode solicitar o tombamento junto ao Conpresp, órgão da prefeitura responsável por isso. Se o Conpresp acatar o pedido, inicia-se um processo que poderá ou não resultar na preservação do imóvel.

quinta-feira, 14 de fevereiro de 2008

canudinho fino

A CartaCapital está para estrear o novo site. Mais moderno, mais bonito, mais ágil e com mais recursos. Na verdade, ele já está no ar, mas a equipe ainda sofre para resolver uma série de probleminhas técnicos que impedem o potencial de recursos funcionar.

No meio desse processo técnico, há uma reportagem minha, que deu muito trabalho e muito prazer de fazer, sobre as favelas cariocas. Ou sobre a expectativa das obras do PAC nas favelas cariocas. No início de janeiro, estive no Rio e fiz um giro básico no Cantagalo, Pavão/Pavãozinho e Rocinha, além do escritório de arquitetos, engenheiros e gente do governo.

O resultado está disponível no novo site da revista. Por enquanto, sem a maioria das fotos e, infelizmente, sem os vídeos (tem dois vídeos da subida da Rocinha na garupa de um mototaxi que são ótimos!...). Ainda me sinto tomando uma vitamina de canudinho fino, mas vai passar.

Daqui a pouco a coisa engrena, bonita, e eu coloco os links turbinados (com fotos e vídeos) aqui.

sim

Não ia dizer isso aqui, mas vou. Há umas três semanas, comprei o CD e conheci a Vanessa da Mata.

Adorei.

Depois de, estranhamente nesses tempos pods, eu ter escolhido comprar a música em uma loja (sempre gostei dos encartes...), ainda me vi escutando e escutando e escutando, repetidas vezes, o sonzinho dela.

Era isso.