quinta-feira, 8 de dezembro de 2011

Gabriel Braga Nunes

(fiz esse texto para a revista RG, que orgulhosamente editei de maio a setembro deste ano. É da RG de setembro, minha saideira)

Duas Caras

RG passa algumas horas com Gabriel Braga Nunes, o ator que roubou a cena, os olhares e suspiros na última novela da Globo e apresenta um cara que rouba a cena, os olhares e suspiros em qualquer lugar
texto Phydia de Athayde
 
Ele está na mesa dois. A mais bem posicionada para ver e ser visto na Mercearia do Francês, em Higienópolis, São Paulo. Não são nem 19h e a casa está vazia. Gabriel Braga Nunes veio do apartamento a poucas quadras dali, que é seu pouso paulistano. É um flâneur na cidade onde nasceu. Usa calça jeans, camisa, jaqueta de moletom com capuz, blazer e comemora o frio paulistano. “Detesto calor. No frio posso me encolher. No calor não tem escapatóriah”, solta o sotaque do Rio. Ou melhor, da Dias Ferreira, Leblon, onde habita um flat com varanda e vista para o mar. Nessa varanda, por sinal, algumas vezes ele brindou neste ano, com uísque, a paz da vida bem vivida.

Gabriel se levanta e sorri. É totalmente familiar, afinal, protagonizou a última novela de Gilberto Braga e Ricardo Linhares, dirigida por Dennis Carvalho e Vinicius Coimbra (ele jura que com essa trupe qualquer ator vira a sensação do momento). Sensato, concorda em se mudar para a mesa 32, ao fundo do restaurante.

“Estou para fazer quarenta anos”, diz, com voz de locutor de Jornal Nacional, para explicar que o sucesso de Léo em Insensato Coração não o deslumbrou. “Perto dos 25 (quando fez Razão de Viver no SBT), provocou mais abalo naquele jovem.” O mesmo que estreou no teatro profissional com a seguinte crítica: quando o jovem Gabriel Braga Nunes entra em cena o espetáculo desaba. “Na época, doeu”, lembra. Hoje, considera que atuação é obra coletiva, de time, e que sucesso e fracasso não devem ser levados tão a sério. “A ideia de sucesso tem de vir acompanhada de um sentido de realização menos imediatista. O ‘próximo personagem’ não é um grande desafio para o ator. É simplesmente trabalho.”

Duas horas depois, gravador desligado. Ele comeu a quiche do dia, bebeu algumas taças de malbec, recebeu SMS para uma festa no Rio e lamentou com a produtora de O Homem do Futuro a
ausência em Gramado na estreia do longa. Gabriel curtiu fazer cinema, está apaixonado por TV, mas ama mesmo o teatro. Filho da atriz Regina Braga e do diretor Celso Nunes, fala com amor e propriedade sobre tiahtro (ele é atoahr, fala tiahtro). “Tive muito contato com coxia, com classe teatral. Sempre achei a vida dos atores mais interessante, mais elástica e completa.” Raul Cortez, com quem contracenou em Terra Nostra, e Paulo Autran, que viu muitas vezes ser dirigido pelo pai, são referências formadoras.

Antes de pagar a conta, ele ouve com interesse e paciência um elogio do maître. Dois garçons aproveitam para encará-lo sem a discrição de até então. Ele gosta, dá trela. É um dia bom para um cara que se permite dias ruins. “Não tenho obrigação de ser simpático. Me reservo o direito de estar de mau humor, de não estar nada sociável. Ator não é político, não está comprando voto. Se eu me engessasse em uma cordialidade com os fãs, estaria indo contra minha própria profissão.”

Uma noite boa, em São Paulo, passa pelo Spot. Alguns metros antes do burburinho, Gabriel ensina a lidar com tantos olhares, tanto tempo, em todo lugar que vá. “É só fazer a Gisele Bündchen: olha pro infinito e vai!”, e dá três passos de gazela fashion antes de soltar uma gargalhada. No instante seguinte, encarna o Homem Invisível, parece não sentir que todos olham para ele. Pede um Bloody Mary, pergunta como é a vida de jornalista, desculpa-se por não conhecer revistas. “TV também não assisto, não vou ao cinema, nada. Trabalhar em novela rouba muito da vida. Nos últimos anos, estou sempre me dedicando mais a um personagem do que a mim mesmo”, reflete, antes de decretar: “Preciso viver mais e trabalhar menos”. Ele está louco para desembarcar em Nova York, alugar um apê no Soho, brincar de ser guitarrista. Parar de fazer a Gisele Bündchen.

Findo o Bloody Mary, destino rua Augusta. Lotada. Trânsito parado. Sem avisar, ele simplesmente abre a porta do carro e some. Emparelha com um grupinho na calçada, dois meninos e uma menina. A pobrezinha faz menção a gritar – “Ai! O Léo da novela!” – mas ele abafa a histeria com uma afirmação e uma ordem –
“Sim, mas fala baixo”. Ao que ela obedece, muda. O sinal abre, o carro anda alguns metros. Fecha. Vai abrir de novo, e de repente ele está de volta ao banco do passageiro. Trouxe um cigarro.

Alguns quarteirões abaixo Gabriel encontra algo familiar. “Ah, o Club Noir. E tem banda! Vamos?” Como negar ao fã de Creedence, Hendrix e Black Crowes uma bandinha baixo-guitarra-bateria com vocal de blues totalmente old school? O Noir é um espaço singular. Da rua é possível ver o balcão do bar, estantes vendendo HQ e o palco cercado de mesinhas. Ao fundo, a casa abriga um pequeno teatro. É de onde vem, da penumbra, um grisalho com andar de notívago profissional. Gabriel salta da mesa e coloca-se exatamente onde o sujeito pisaria o próximo passo. Um pequeno susto, um sorriso, um abraço querido. É Mário Bortolotto.

Algumas músicas depois e ele está com Juliana Galdino e Roberto Alvim. Os donos do espaço o chamam para ver o teatro. “Cabem 50 pessoas sentadas”, aponta Roberto para a plateia vazia. O grupo engata um papo de atoahr, cheio de nomes e projetos, até chegar a um causo que Gabriel faz questão de contar. No monólogo Um Porto para Elizabeth Bishop, Regina Braga (sua mãe) começa uma cena e percebe algo estranho na plateia, o público inquieto. Ela não sabe que momentos antes um morcego bateu no refletor e agora agoniza no palco. Mas Gabriel não apenas conta isso: ele se lança ao chão e interpreta o morcego à beira da morte. Estrebucha, trava as pernas, contorce o tronco deixando à mostra o abdome branco, retorce as mãos. Parece uma rã na frigideira. Instantes depois, está de pé rindo com o grupo.

A noite boa chega ao fim. Antes da despedida, Juliana lembra de elogiar o amigo na novela. Atriz que é, sabe o quanto ele mandou bem antes, nos anos em que foi protagonista único na Record. “E você foi para a Globo solto, livre, por isso deu tão certo”, comemora. “Lá a gente era o mais importante. Foi uma escola de teledramaturgia”, arremata a rã, quer dizer, o morcego, quer dizer, Gabriel Braga Nunes. Como não concordar?