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...Abaixo, reproduzo Nota Oficial da subprefeitura de Pinheiros, à época da "obra":
Em relação à reforma viária no entorno da Praça Horácio Sabino, informamos:
Estão sendo implantadas seis faixas de paralelepípedos com quatro metros de largura cada uma, visando tornar a via mais permeável e diminuindo, assim, a velocidade com que a água da chuva avança pela Praça Horácio Sabino, cruzando a Rua João Moura e chegando à Rua Abegoária. Ao mesmo tempo, os paralelepípedos irão diminuir a velocidade do trânsito no local, visto que se trata de área residencial e com grande circulação de crianças na Praça.
A Rua Abegoária é um ponto crônico de enchentes, que vem causando transtornos aos moradores da região há cerca de 35 anos. As enchentes resultam da incapacidade de captação de águas pluviais, decorrentes da impermeabilização e aumento da população da bacia. A galeria, além de insuficiente, encontra-se comprometida devido a solapamentos e desconexões. O excesso de água prejudicou a sustentação desta galeria no próprio solo. A galeria não suporta a pressão da água, que acaba rompendo o asfalto e gerando buracos.
Em 2006 foram colocadas grelhas de alívio, que captam uma maior quantidade de água e aliviam a pressão na saída de água da galeria. No entanto, a solução definitiva implica na reconstrução da galeria, desde a Av. Heitor Penteado até a rua Gerard David, com um reservatório de amortecimento localizado sob as praças Oliveira Álvares (parcial) e Jacques Bellange (total). Trata-se, pois, de obra de grande porte, que será programada para os próximos exercícios.
Estamos à disposição para quaisquer esclarecimentos.
Não é incrível?
E para ajudar a "tornar a via mais permeável", uma reportagem de Daniel Santini, publicada hoje no G1: http://g1.globo.com/Noticias/SaoPaulo/0,,MUL59891-5605,00.html
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sexta-feira, 29 de junho de 2007
sobre permeabilidade
Postado por Phydia de Athayde às 17:01 10 comentários
quinta-feira, 28 de junho de 2007
réstia
É noite de quinta-feira e, num intervalo do fechamento (dia em que ficamos até mais tarde para finalizar a revista) da CartaCapital, aproveito para mandar este post. Ainda estou impressionada com os desdobramentos deste blog, deste grito tão chorado que fiquei na dúvida se seria bom ou não mostrar para tantos desconhecidos. Arrisquei e vejo, com alegria, que não foi tão má idéia.
A questão da pracinha me mostrou que muita gente também se sente oprimida na cidade. Sem lazer, sem lugar pra respirar, sem lugar pra simplesmente estar – e não apenas passar, de carro com vidros fechados. É muito bom encontrar e ouvir histórias parecidas, embora a maioria de final triste, sobre lugares públicos que significaram muito na vida das pessoas. E é da vida encontrar quem ache que rua é só para carro, que skatistas atropelam crianças, que todos os milhões de paulistanos deveriam se espremer no Ibirapuera, enfim. Coisas que eu não concordo, mas entendo, embora ache que quem não gosta de gente na rua deveria, solenemente, mudar-se para um condomínio fechado, daqueles cercados de grades e com seguranças para jogar o farolete em quem se meter a besta de ficar ao ar livre à noite (nem que seja pra namorar ou procurar estrelas).
Esta pracinha, a do Alves (Horácio Sabino), tem a sorte de mexer emocionalmente com muita gente. Com a repercussão do blog pude saber que nem todos os moradores concordam com a obra anti-skate, que existe comunidade no orkut mobilizada, que está rolando uma organização para reuniões com a subprefeitura, enfim, que talvez haja uma chance da situação ser revertida.
É engraçado. Sou jornalista e, inicialmente, não tive vontade de fazer uma reportagem contando o que aconteceu. Um receio de que, ao reportar, eu tornasse a coisa definitiva. Um índio com medo de perder a alma para a máquina fotográfica. Mas agora já está passando. Porque tristeza e medo passam, quer dizer, é mais fácil passarem quando se descobre que não se está tão sozinho. Que tem mais gente percebendo a cidade nos fugir das mãos, e querendo gritar parecido. Isso é muito legal.
Ainda não sei no que vai dar (o blog, a pracinha...). Mas já posso dizer que gostei de descobrir, logo na frieza e impessoalidade da internet, uma réstia de luz tão bonita. Caramba, “réstia” é muito Alceu Valença, né? A dele é de sol. A deste blog é que luz.
Porque o sol de verdade continua, lá fora, na pracinha.
Postado por Phydia de Athayde às 19:53 8 comentários
terça-feira, 26 de junho de 2007
sábado, 23 de junho de 2007
de sol e de tristeza
Deixa eu escrever antes que eu me esqueça (como acordar repetindo um sonho pra não deixá-lo fugir).
Ainda estou com o nariz vermelho, de chorar. Pois é, chorei. Na rua, duas vezes, engolindo e deixando o narizão avermelhar, quando passei numa quadra menos movimentada. Carregando o meu skate, pesado, pendurado atrás das costas pelos braços. Chorava a cada vez que imaginava não mais usá-lo. Ai.
Voltando pra casa, à pé, sábado de sol maravilhoso, um fim de tarde, que eu adoro, ao ar livre, sol na pele, corpo em movimento. Pois bem, eu falo.
...Como é que se fala de uma angústia? Violência, segregação, roubo. Me senti roubada, alijada de um direito. Como é que se fala de uma coisa que, ao mesmo tempo, sei que não vai ter solução, não vai voltar atrás, que não adianta reclamar?
Uma pracinha. Especial. Uma pracinha gostosa. Duas quadras de eucaliptos, só com casas ao redor, e asfalto lisinho, com uma inclinação suave o suficiente para ser perfeita para andar de skate. É, eu tenho 30 anos e ando de skate, ainda. Mas só nessa pracinha. Perto de casa, sol gostoso, poucos carros passando, nossa... Uma praia. Eu ando de skate no estilo "masters", digamos. Significa que não faço manobras arriscadas, nem piruetas, nem derrapagens. Não tenho mais idade, físico, pernas nem dedicação para tanto. Uso um skate chamado longboard. É maior do que o convencional (o das acrobacias) e anda mais suave. Explico.
Ele desliza suave o suficiente para descer as duas quadras da pracinha em ziguezague, fazendo um "S" infinito, de um lado ao outro da rua, dobrando os joelhos de leve nas curvas, sem chegar a derrapar. O vento no rosto, o asfalto passando embaixo dos pés, o corpo em perfeita harmonia com o skate, a onda. É um zuuum, uma dança, um bailado pracinha abaixo, até chegar ao sinal no fim da rua. Aí, na última curva completo o círculo, quase sempre com os dois braços para o alto, agradecendo a Iemanjá. É como surfar. Como deve ser surfar, porque eu nunca surfei.
Não tenho grana, tempo, casa na praia, prancha nem braço pra surfar. Mas de vez em quando escapo da vida urbana e curto um fim de tarde na minha praia, logo ali, a pracinha perto de casa. Fazia uns três meses que eu não ia. Hoje, fui à pé. Carreguei o skate nos braços pelo bairro. É difícil andar de skate nas ruas de São Paulo. Tem muito carro, o asfalto é grosso demais, as calçadas são quebradas, enfim, não dá. Menos ainda com um long como o meu. Só na pracinha.
Quando a alcanço, pela rua debaixo, estranho não ver ninguém de skate. Mal dá tempo de imaginar o porquê, e vejo. O horror. A violência. A sacanagem. O roubo. Violentaram o asfalto lisinho da praça com uma faixa de paralelepípedos, de dois metros de largura, de lado a lado da rua. Como se fosse uma lombada, mas no mesmo nível do asfalto. Apenas o suficiente para impedir um skate de passar. Para os carros, tudo certo, é claro. Não acredito. A rua é de quem? Deles? Como assim?
Não é apenas uma faixa. A cada dez ou vinte metros vejo um mata-burros para skate, na praça toda. Apenas o suficiente para impedir a evolução, o vento no rosto, as curvas, a harmonia.
E para impedir, dirão os donos da rua, a bagunça nas tardes de sábado e domingo, o barulho das derrapadas, o auê de moleques dependurados nos carros, de carona pracinha acima. Ou, ainda pior, as pichações, a maconha. Nem todos são pichadores, nem todos fumam maconha. Mas todos são, ou eram, moleques querendo algum desafogo. Um pouco de rua, de sol, de paz.
Agora já era. Me senti como uma mal vestida impedida de entrar no shopping center. Sabe humilhação? Mas pior, porque é na rua. Na bendita rua, último refúgio da urbanidade, da convivência, da tolerância, do vento, das curvas.
Ai, estou triste demais. Com a cidade, com a vida, com a lembrança horrível de quando uma vez, criança, eu perguntei para a minha mãe o que eram aquelas notícias no jornal e ela disse: "É que o mundo é assim, filha, vai ficando a cada dia pior". Passei a vida tentando não concordar com isso. E envelheço. Tenho 30 anos e descubro que não posso mais andar de skate num sábado ensolarado, na pracinha do bairro. E choro. Acho que ainda sou criança. Tanta porrada na vida e ainda choro, ainda lamento, ainda sento aqui pra escrever sobre isso. Tentar gritar.
Antes de caminhar de volta pra casa, refiz o trajeto da descida uma última vez. Com os pedacinhos que sobraram de asfalto liso. Começa, faz duas curvas, pára. Pega o skate, anda três passos, volta. Faz duas curvas, repete tudo. Até o fim. Uma despedida terrível, que me fez e me faz, de novo, chorar aqui. Não tem mais surf na cidade. Não tem mais pracinha. Agora ela é dos que residem em frente e, provavelmente, entre si, votaram pelo fim da maloqueirada do skate. Marginais.
Quando estou triste, às vezes me vem na cabeça a melodia de alguma música. Sem perceber, começo a cantarolar o verso e ele sempre traduz o que estou sentido. Hoje, uma pichação também ajudou. Dizia "flor do meu sertão", como as pichações dos anos 80, que diziam coisas. E a música veio. Mutantes. "Adeus, vou-me embora, pracinha, fulô do meu coração. Eu voltarei qualquer dia, é só chover no sertão".
E a seca mal começou.
Postado por Phydia de Athayde às 21:34 96 comentários