(publiquei essa entrevista como parte de uma reportagem maior sobre a CPI das ONGs. Saiu na edição 470 da CartaCapital, de 14/11/2007. Acho legal reproduzir porque dá uma esclarecida importante no que é, ou deveria ser, ONG e as diferencia das "fábricas de receber dinheiro público", que se escondem sob o mesmo rótulo)
Universo caudaloso
Para a Abong, uma ONG deve ter compromisso com a luta por direitos
Apesar do nome, Associação Brasileira das Organizações não Governamentais (Abong) tem 270 integrantes e representa menos de 1% das mais de 276 mil ONGs do País. Isso se dá porque a associação usa critérios conceituais para aceitar filiadas. “Para nós, ONG é uma entidade envolvida na luta por direitos”, delineia Tatiana Dahmer, uma das diretoras-executivas da associação. Na entrevista a seguir, ela esclarece as diferenças entre entidades que recebem dinheiro público, fala de conceitos e nuances Terceiro Setor.
(a Phydia de Athayde)
CartaCapital: Por que tanta confusão em torno do que é uma ONG?
Tatiana Dahmer: Há um desconhecimento generalizado. ONG é, na verdade, um termo político. Dentro do nicho das entidades sem fins lucrativos podem existir fundações, associações e associações religiosas. Uma tentativa de definição resultou nas Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIPs), que diferem das ONGs por permitir a remuneração de diretores. Mas toda a legislação a respeito é antiga e contraditória, enquanto há diversos projetos de leis não votados.
CC: A situação atual, de repasses milionários sem controle, é fruto do crescimento do Terceiro Setor. Como isso se deu?
TD: Todo o debate sobre Terceiro Setor vem de um viés liberal norte-americano, que parte do princípio de estado mínimo. A Abong surgiu em 1990 para construir a identidade das ONG. Na nossa concepção, ONG não é caridade, não é marketing social, não tem que fazer o papel do estado. Defendemos, por exemplo, que o Instituto Nacional do Câncer tenha condições de cuidar de crianças, sem depender da Fundação Ronald McDonalds. Para a Abong, ONGs são associações civis envolvidas na luta por direitos.
CC: O que origina o descontrole de verbas públicas?
TD: Há a questão da falta de identidade das ONGs, e há o problema concreto do mau uso. Existe muita má-fé. Este é um universo caudaloso, e por isso não se pode generalizar. Imagine que há pelo menos 9 formas de repasse de dinheiro para a sociedade, e todas podem ser burladas.
CC: Como deve ser a relação do estado com as ONGs?
TD: ONG não tem que executar política pública. Se o estado tem problemas, pode usar uma ONG como modelo de política pública, e não simplesmente se eximir da responsabilidade e passá-la para a ONG. A Abong defende que os conselhos de políticas públicas funcionem. Há um debate importante sobre modelo de desenvolvimento que deve ser feito. A matriz do problema é não se discutir a distribuição de recursos públicos.
CC: O que esperar da CPI das ONGs?
TD: As denúncias têm de ser apuradas. Mas é preciso diferenciar má-fé de irregularidade por conta do excesso de burocratização e de particularidades regionais, como, por exemplo, o fato de um barqueiro na floresta não tem CNPJ. Hoje somente ONGs com ampla estrutura contábil alcançam os recursos públicos. É importante que se construa uma regulação que trate organizações de tipos e portes diferentes. E é fundamental não criminalizar as ONGs. A regulação tem de ser sobre o dinheiro público, e não sobre o direito constitucional da sociedade civil se organizar.
sexta-feira, 23 de novembro de 2007
ONG ou não-ONG?
Postado por Phydia de Athayde às 15:44
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário