sexta-feira, 24 de setembro de 2010

Larga disso, Belluzzão

(originalmente publicada no Brasil Econômico, 24/09/2010)


Ainda estávamos em abril deste ano e ele, coitado, já percebia a profundeza da encrenca em que se metera: “Era muito mais fácil ser presidente do Banco Central do que do Palmeiras”, constatava Belluzo, para arrematar com um profético “nessas de ajudar é que se entra pelo cano”. Essa frase estampou a capa do Outlook número 27. Estamos no 51, e a coisa só piorou.


O homem que esta semana deu entrada no hospital Sírio Libanês, de onde há de sair com duas pontes de safena em seu alviverde coração, de fato entrou pelo cano. Ou, numa inversão da metáfora, os canos é que entraram em seu peito, de modo a deixá-lo vivo.


Sai dessa, Belluzzão. O Palmeiras não te merece. Clube nenhum de futebol no Brasil há de merecer alguém tão Belluzzo como você. Vê só o meu Corinthians, a refestelar-se com o tão maloqueiro Andrés Sanchez.


Você bem previu, Belluzzão, e não é mesmo por aí que a banda toca. Não adianta chegar na presidência todo sério, fazendo acordo com celeiro de jogadores, com empreiteira, com torcedores organizados, trazendo (quatro!) técnicos dos sonhos da torcida — e que até agora colaboram no esvaziamento dos cofres verdes. Ninguém quer saber disso não. E decerto vão dizer que te faltou experiência, ou malandragem, ou sorte.


Talvez nem Deus saiba o que reservou ao seu time. Quando o repórter Gabriel Penna esteve no Palestra, antes das obras que não começaram, em julho, pareceu ter captado no ar a sentença que você agora paga, na mesa de cirurgia, e que é a de todos os parmêra que eu conheço: a de sofrer a eterna saudade de um futuro glorioso. Que não chega. Nem o título, nem o estádio, nem um maldito golzinho pra dar uma moral. 


Sai dessa, Belluzzão. E quem fala isso é uma corintiana que sofreu demais ao escrever, novata que era, na revista CartaCapital, sobre o pleito à presidência do Palmeiras, em 2003, do qual você saiu derrotado — e ovacionado. A mesma que, quando você conquistou o posto que a vida lhe incumbiu, teve de admitir aos amigos sentir uma certa inveja do Palmeiras por ter um presidente tão Belluzzo para cuidar do seu futuro. 


Que futuro ingrato.

sexta-feira, 17 de setembro de 2010

editorial Outlook #50

(e este, de hoje, 17 de setembro, alcançando, por algumas horas, o tempo)


Nada como uma plaquinha bem colocada. Como a que serviu a J.R.Duran (12) no dia em que fez um clique à Ansel Adams sem esforço algum. Tão bem assentada que qualquer um acataria a dica de enquadramento e, pimba, eis a obra de arte capturada. Já para adentrar num certo túnel do tempo não havia indicação. Só os iniciados, ou melhor, os ‘antigomobilistas’, souberam previamente do desfile de Cadillacs, Mavericks e Jaguars que colocamos Em Foco a partir da página 6. Por falar em eventos exclusivos, esta edição traz, ainda, um atalho secreto — no caso, para o estômago de Luiz Henrique Ligabue, que retornou dois quilos mais repórter de uma excursão ao Peru (21). Outro luxo deste é termos na 18 o próprio Giuseppe Tornatore, diretor de Cinema Paradiso, a nos contar que seu novo filme, Baarìa, é o mais autoral que já fez. E que bom mesmo é falar da própria história, da própria terra, como faz Laurentino Gomes (26com a do Brasil. Boa viagem. Phydia de Athayde

editorial Outlook #49

(mais um, mais um, mais um. De 10 de setembro)


No jornalismo, estar perto demais de algo precioso é sempre meio delicado. Muitas vezes a gente deixa de noticiar para não parecer tirar vantagem. Noutras, a notícia simplesmente nos atropela. Isso acontece esta semana, em que não posso deixar de destacar a honra de ter uma colunista do naipe da Lilia Moritz Schwarcz 4de novo finalista do prêmio Jabuti, conquistado outras vezes. Desta vez, concorre com o muito conveniente Um Enigma Chamado Brasil, com André Botelho, editado pela Cia. das Letras. E aí a situação se repete, pois também não deu para deixar de entrevistar o escritor Luiz Schwarcz (26) que, tirando o fato de ser marido da Lilia, é o homem que lidera um dos maiores sucessos editoriais do país, a Companhia das Letras. E, para me apertar de vez, os dois ainda vêm a ser sogros do Luiz Henrique Ligabue, um repórter que como poucos é capaz de transformar meras alcachofras (21) em história e poesia (e receita). Mas isso fica só entre nós, OK? Phydia de Athayde

editorial Outlook #48

(seguindo na ideia... Esse foi do dia 3 de setembro. Primeira edição inteira sob a batuta desta)


Que Google Earth, que nada. Abaixo o clique frio dos robôs programados para nos mapear. É muito mais legal quando nossa vidinha terrena se transforma em pixels para as fotos de Cássio Vasconcellos, a partir da pág. 6. Fiquei tão admirada que nem atinei para o quanto o homem deve ter se dependurado no helicóptero para conseguir cada uma. Por trás de todo trabalho pronto, há sempre uma viagem particular do autor. Ainda bem que, no caso do novo disco do Djavan (18), temos o Pedro Alexandre Sanches para desvendar todas as trilhas, e mudanças de penteado, do artista. Ainda bem, também, que para a editora Cristina Ramalho o ator Marco Nanini é como um velho amigo. Na conversa deles, 26, temos o privilégio de ir além dos velhos temas para logo mergulhar no que é novo. É também o que fez a repórter, e zero-pilota, Natália Mazzoni ao testar uma bike elétrica, 22, e voltar outra menina. E tem mais viagens aqui. É só seguir em frente. Phydia de Athayde

editorial do Outlook#47

(Publicado no Outlook, do Brasil Econômico, onde agora venho a ser editora-executiva. E como isso, entre outras mudanças, significa ter menos tempo para escrever, tive a ideia maluca de reproduzir os meu editoriais aqui no blog. Só de onda, e já me desculpando caso provoque alguma curiosidade quanto às matérias. É que, apesar de se chamar "Outlook", o suplemento não tem versão digital. E, a propósito, este editorial abaixo é de 27 de agosto. Pelo menos vale para apresentar a Rita, que está no post abaixo)




Admito, de saída, que faço um esforço danado para não dizer que a reportagem sobre o Timão, na pág. 6, escrita pelo repórter Gabriel Penna com elegância até de sobra para o tema, é a mais importante dos últimos 100 anos. Guardo para mim os desdobramentos desta paixão tão popular para, em vez disso, inspirar-me na festa privé que é a Revista Nacional (18), novo lançamento de J.R.Duran, e falar de algumas preciosidades deste Outlook. Uma é a radiografia dos covers mais originais do país, feita pela repórter Daniela Paiva na página 14, outra a crônica de Humberto Werneck, na 5, que é
sempre uma aula e um privilégio. Há muitas, que bom. E talvez o leitor mais observador note que esta edição, de alguma forma, fala da magia que transforma o simples em extraordinário. É o que a chef Rita Lobo (26) faz na cozinha e ensina no site Panelinha. Ao conversar com ela, a gente sai acreditando que tudo na vida é questão de dar um passo depois do outro. Phydia de Athayde

quinta-feira, 16 de setembro de 2010

entrevista com Rita Lobo


(originalmente publicado no Brasil Econômico, 27/08/10)


"Fazer sua própria comida todos os dias é um ato heróico"


ABRE
     Como a colher de pau acima bem faz supor, Rita Lobo não só tem amor pela culinária como um lindo par de olhos azuis. Com estes, nasceu. Já a habilidade na cozinha exigiu  treino e muita dedicação. Rita tem 35 anos e, como muitas mulheres de sua geração — filhas das que viveram a revolução da pílula nos 70 —, não trouxe da infância os segredos de forno & fogão que até então credenciavam mocinhas para se tornarem  boas e domésticas esposas.
     Aos 15, descoberta por Bob Wolfenson, Rita iniciou uma carreira de modelo que duraria três anos. “Como eu era ligada em comida, aproveitava as viagens internacionais para conhecer a culinária local”, lembra ela. De volta ao país, apresentou durante um ano o MTV_a Go Go  para, logo depois, em uma viagem à Nova York, finalmente decidir estudar para ser chef. Em seis meses, engordou os 10 quilos mais instrutivos de sua vida. Voltaria à silhueta, mas nunca mais seria modelo no sentido fashion da palavra.
     “Contrariamente à moda, que na minha opinião afasta as pessoas, a comida tem o poder de aproximar”, escreveu em Cozinha de Estar, o primeiro de seus três livros. Depois vieram Culinária para o Bem Estar — Receitas Anti TPM e A Conversa  Chegou à Cozinha.
     Antes deles, Rita chegou ter um restaurante, o Oriente, mas encontrou sua melhor receita como cronista dos costumes da nova cozinha — a das novas mulheres. Depois de escrever sobre culinária na Folha de S. Paulo, foi convidada para criar um site de gastronomia. Que tal? “De gastronomia, não. De culinária, sim!”, explica. É que gastronomia é, digamos, fashion. E culinária tem mais a ver com a vida real. A vida cotidiana que, por isso mesmo, é sagrada.
     Assim nascia o Panelinha, um fenômeno de bom gosto na internet, com 20 mil visitantes únicas por dia. A maioria mulheres em busca de, basicamente, dicas para “entar na cozinha e, meia hora depois, sair com o jantar nas mãos”. São as moças de fino trato dos anos 2000.
     Dez anos se passaram, Rita é mãe de Gabriel e Dora, e o Panelinha é onde  sempre há receitas interessantes, rápidas e muito bem explicadas. E todas são testadas e comentadas com a intimidade elegante que ela nos mostra nesta entrevista.


ENTREVISTA

Nesses dez anos de site, muitas mulheres aprenderam a cozinhar com o Panelinha. E como você aprendeu?
Vou fazer 36 anos e na minha geração tenho a impressão que muitas mães enxergavam o ato de cozinhar como uma submissão. Existia um orgulho em dizer: “nunca precisei cozinhar”. Quando eu tinha 20 anos e falei para minha mãe que ia fazer um curso de gastronomia, ela não entendeu nada. Ela não gosta de cozinha, não tem interesse. Em casa, tínhamos um supercozinheira, a Zeti, que tinha trabalhado antes na casa de libaneses, então comíamos muito quibe, charutinho de repolho, coisas que não têm a ver com nossa família (risos). Do lado materno, minha avó é húngara e casou-se com um italiano. O outro lado da família é superbrasileiro, Lobo e Nogueira Garces.

Então, na sua infância não tinha aquilo de brincar de fazer bolo?
Eu grudava em quem estava na cozinha. Com uns 10 anos, menina, eu gostava de fazer bolo, pão de ló, rocambole...  Sempre fui ligada em comida, e lembro que nos finais de semana sempre almoçávamos fora. Em São Paulo tem essa variedade, então íamos ao chinês, ao árabe, ao italiano. Japonês ainda não tinha era como hoje. Ir até a Liberdade (tradicional bairro de imigrantes japoneses) era uma aventura.

Ainda bem nova, você se tornou modelo e viajou muito para o exterior. Como aconteceu?
Tinha uns 15 anos e me convidaram para fazer uma foto com o Bob (Wolfenson), para uma campanha da Calvin Klein. _A partir disso comecei a viajar como modelo e foi uma experiência muito legal. Tive oportunidade de conhecer lugares e, como já tinha essa antena para culinária, ficava prestando atenção no que se comia no Marrocos, no Japão... Essa experiência me deu um panorama muito rico. Durou dos 15 aos 18 anos.

As modelos já eram esquálidas?
Todo mundo era muito magrinho.

Havia a pressão para manter o peso?
Hoje, meninas que não têm necessariamente o biótipo querem ser modelo e ficam nessas maluquices. _Tem gente que é magra e tem gente que precisa parar de comer para ficar magra. Tive sorte, digamos assim, porque trabalhei na adolescência e era bem magrinha, não exagerava (na comida).

Como é a sua relação com a comida?
(Pensativa) Não é diferente da relação com as outras coisas da vida. _Deve haver um paralelo. Quem _é descontrolado com comida também _é compulsivo no shopping, em outros aspectos da vida. Sou supercontra _os produtos light. Essa moda light _é o seguinte: por ser light, a pessoa come oito vezes mais do que precisaria. Quando o Gabriel, meu filho, começou _a comer, veio aquela fase chata de não querer nada. Fui ao pediatra e ele me falou para nunca mandar comer porque precisa. Come é porque é gostoso! Comer é um momento de prazer. _Fazer a criança comer para ganhar _um brinquedo, ou a sobremesa, _deturpa a relação com a comida.

Mas e você, como age diante
de um prato maravilhoso?
Cada refeição é uma refeição. Se estou em Paris e o menu tem sete pratos, vou comer os sete pratos. Mas muito provavelmente no dia seguinte não conseguirei comer tanto. É do meu organismo. No meu dia a dia, sempre como pensando que mais tarde vou comer alguma outra coisinha, depois outra... Nunca é o último prato de comida da vida (risos). Cresci escutando que o segredo para uma boa saúde é sair da mesa com um pouco de fome.

O que é comida boa?
Esses dias, estava testando uma receita de tortas com a Sandy (ajudante) _e fizemos uma torta _de frango bem simples. Peito desfiado, refogado com alho, cebola, tomate, uma gema para dar um engrossadinha e o caldo do cozimento. E coloquei um Gruyère. Meus sobrinhos estavam aqui, meus filhos, e meu irmão e minha cunhada chegaram com aquela cara de “vai ter jantar, né?”. Sentaram todos na mesa e foi um prazer enorme todos comendo junto. Isso para mim é tão saboroso quanto a comida em si.

E a gastronomia? Onde entra?
O meu trabalho não tem nada a ver com gastronomia. É ensinar uma menina que foi morar sozinha a cozinhar e se virar. _É dizer que com um ovo, em três minutos, você faz uma refeição colocando isso e aquilo. Esse é o meu trabalho. Não tem nada a ver com frescura. Pessoalmente até gosto de alta gastronomia, de viajar, comer em bons restaurantes, mas não é o meu trabalho.

Apesar disso, você costuma dizer que não faz cozinha caseira, e sim cozinha doméstica. O que é isso?
Minha preocupação maior é a cozinha do dia a dia. O público do Panelinha _(a maioria mulheres) tem filhos pequenos e precisa ter almoço e jantar todos os dias. Essa mulher pode até trabalhar em casa, mas não tem disponibilidade para ficar quatro horas fazendo arroz, feijão, ensopado... Penso em receitas para que ela entre na cozinha e saia meia hora depois com um prato na mão. Apesar de eu ter conhecimentos da cozinha profissional, meu trabalho é o da cozinha doméstica. O meu forno é bom, mas é convencional, o fogão também. _Nada é profissional, porque faria diferença. Ninguém usa equipamento profissional em casa.

Quais são os hits do Panelinha?
Temos de parar com essa mania de em toda refeição ter um mundaréu de comida. Nem toda refeição que tem _que ter carne, feijão, arroz e salada. Pode ser um prato, só uma massa. _A Piadina virou hit: é um pão italiano, chato, que se faz em 10 minutos. _A massa fica pronta em três minutos _e é assada na frigideira. Quentinho, coloca salada, mussarela, tomate, rúcula, põe manjericão. Isso é o jantar, não precisa mais. Outros hits são com coisas como cuscuz, que ficam prontas em 10 minutos.

Como é sua relação com
as leitoras?
Sou contra comentários na página oficial. Pode colocar no Facebook, no Twitter, falar mal, falar bem, desde que seja na sua página. É muito, mas muito chato isso de ter espaço para comentários. Na última reformulada _do Panelinha, me cobraram isso _(e ela não colocou). É uma poluição desnecessária. Por outro lado, cada um tem a sua página dentro Panelinha se quiser. Há um canal onde as pessoas se cadastram, adicionam qualquer receita do Panelinha e escrevem o que quiserem. Meu blog também não aceita comentários, mas recebo de 10 a 20 emails por dia. Eles são a base do meu trabalho, são onde vejo o que as pessoas precisam, o que querem, o que pode ajudá-las no dia a dia.
Os leitores do Panelinha são tratados
a pão de ló (risos).

Nesses 10 anos, esse perfil mudou?
Muito. No começo, eu tinha a sensação de que quem ia buscar receita na internet queria algo muito diferente. Lançamos o Panelinha com receitas superespeciais, mas me perguntavam, nos emails: “E como é que eu frito um ovo?”. Tem público para as receitas básicas do dia a dia, tem o público que imprime para a empregada fazer. _E, depois que casei e tive filhos (e passou a focar em almoço e jantar para todos os dias), falo da minha realidade e tenho respostas (de leitoras) de uma _realidade parecida.

Em que outras questões você tem _se aprofundado?
O Cozinha Verde é um blog (dentro _do Panelinha) em que presto muita atenção em como deixar o ato de cozinhar mais sustentável, em levar _em consideração atitudes saudáveis para você e para o planeta. Há quatro meses estamos falando de economia de recursos naturais, uso racional da água, de alimentos, reciclagem. As conclusões são muito legais. Cinquenta por cento do lixo doméstico é resto de comida, então precisamos diminuir o resto de comida. Como? Cozinhando porções menores e precisas. Se tem uma receita de lasanha da sua tataravó que só dá para fazer para dez pessoas, congele o que sobrar em porções individuais, porque o freezer lotado gasta menos energia que vazio. São pequenos detalhes que fazem a cozinha doméstica melhor. Não está na minha mão a questão do descarte do lixo orgânico, mas está na minha mão a quantidade de comida que coloco no prato dos meus filhos. Outra. Uso integral dos alimentos não são aquelas receitas do SESI, “bolo de casca de banana, suco de casca de abacaxi” (risos). É um passo antes. Maçã, não precisa descascar. Cenoura, é só lavar com escovinha. Alimentos assados, batata, berinjela, abobrinha, vão todos com casca. Além de gostoso é mais nutritivo.

Você é a favor dos orgânicos?
O mundo insiste tanto para se comprar lasanha congelada, que conseguir fazer sua própria comida todos os dias, alimentar seus filhos, fazer refeições em família, já é um ato heróico. Se der para ser orgânico, beleza. Se não der, beleza também. Na cozinha doméstica, cozinhar já está muito bom. Tudo que _se torna uma preocupação a mais, seja _o orgânico ou a reciclagem, é porque ainda não está na hora. Sinto que participamos de um movimento que traz de volta as pessoas para a cozinha. Muita gente aprendeu a cozinhar com _o Panelinha. Não tem que existir _a obrigação de fazer o melhor risoto, _o melhor isso ou aquilo. Usar a (alta) gastronomia como ferramenta _de status é muito chato. “Comi _sei lá aonde, tomei o vinho tal”, _isso é um porre!

O que você acha desses edifícios que já vêm com Espaço Gourmet?
Se funcionar para agregar, é legal, embora nunca tenha visto alguém num desses. Mas o mercado imobiliário tem feito as cozinhas abertas, o que é ótimo. Tem que integrar, o isolamento está em extinção. Até porque saudável _é preparar os alimentos, e fazer as refeições, em família. Priorizar _a alimentação é um caminho muito legal para as famílias. Muitos estudos mostram que isso influência em questões como depressão e obesidade. O ato de comer em família — que para mim é mais preparar a alimentação em família— vai muito além de nutrir o corpo. Quando os programas (de culinária) do Jaime Oliver mostram uma criança que sabe o que é catchup mas não o que é tomate, obviamente é porque não nunca viu um tomate, porque ninguém cozinha na casa dela. É muito importante sinalizar para as crianças uma alimentação saudável.

E como manter as crianças longe das “besteiras”, doces, frituras?
Minha filha chega da escola e pergunta se algo faz bem ou faz mal. Minha resposta é: “Se foi feito em casa, faz bem”. Não pode ter essa proibição de comer açúcar, isso ou aquilo. Claro que ficar dando biscoito recheado industrializado vai detonar o paladar. A criança vai comer uma fruta e achar amargo. O critério (da boa alimentação) é muita fruta, uma comidinha preparada em 10 ou 15 minutos, e saber que tudo feito em casa é saudável. Pode comer fritura? Pode. Vai no clube e come hambúrguer com batata frita. Em casa, não tem fritura. O óleo da fritura (descartado) na pia é um desastre ambiental, mas não só ambiental. É um desastre para o corpo também. O que faz bem para a gente faz bem para o planeta. Pensado no planeta, a tendência é diminuir (o consumo de) carne. Gosto que meus filhos comam, mas não em todas as refeições. E no Brasil temos uma riqueza enorme de grãos. Gosto de variar. Se um dia é feijão, no outro é lentilha, no outro grão de bico. Em vez de arroz, pode ser trigo, cuscuz, cevadinha.

Você foi modelo, tornou-se chef, passou a escrever sobre culinária para a Folha de S.Paulo e chegou _a ter um restaurante. Como foi essa experiência?
Ao escrever uma coluna para a Folha, conheci o Cliff (Li, chef chinês), que _se tornaria meu sócio em um restaurante mas, um mês antes de abrirmos, ele recebeu uma proposta e me deixou sozinha. No fim, a mulher dele (Patrícia), ficou como minha sócia. Ela cuidava do administrativo e eu do restaurante. Mas restaurante é muito puxado. Trabalhar à noite e não ter fim de semana é muito limitado, não gosto. Além disso, em restaurante todo dia o cozinheiro vem com um problema novo. Aí o Matinas Suzuki me falou que estava montando um portal (o iG) e perguntou se eu tinha vontade de criar um site _de gastronomia. “De gastronomia, não. De culinária, sim!” Fiquei um tempo com os dois, depois saí do restaurante.

Dentro da cozinha você sofreu preconceito por ser mulher e, além disso, bonita?
Olha, não só na cozinha, viu? (Risos). Mas, não, não. (Séria) Tinha até uma coisa engraçada, um cuidado comigo. Eu ia picar cebola e me falavam: “Deixa que eu faço isso”.

Você é vaidosa?
Excepcionalmente hoje estou com um esmaltezinho, mas não costumo fazer _a unha. São 40 minutos, uma perda de tempo absurda, não considero isso um cuidado. De uns anos pra cá, me sinto libertada por não fazer a unha.
É uma libertação.

E que cuidados tem com o corpo? Tem medo de engordar?
Não tenho feito ginástica. Gostaria, mas não consegui me organizar. Fico muito tempo sentada (na frente do computador) e dá dor nas costas. Sou de uma família de pessoas magras, mas dou umas engordadas. Quando me formei (cursou a Peter Kump’s School of Cooking Arts, nos EUA), engordei muito, uns 10 quilos. Tinha comida o dia inteiro e eu sabia que teria só aqueles seis meses para experimentar tudo, ir a todos os restaurantes de Nova York. Foi um investimento, mas valeu cada quilo. Agora, que estou em uma fase de testar receitas, estou gordinha. Esse é o meu gordinho, mas depois volta. Tem uma coisa engraçada nisso. Por eu ser magra, tinha o preconceito de, “ah, essa aí não cozinha nada”. Mas, pelo contrário, eu é que não quero comida de um chef gordo (risos).

E, num outro sentido, o ato de cozinhar também se torna algo sensual, afrodisíaco?
Não tenho essa conexão. Mas acredito que as mulheres têm dois momentos na vida em que podem aprender _a cozinhar. Um é quando se apaixonam, tem isso de querer fazer um jantar especial. Recebo emails perguntando “pode fritar a cebola antes do banho e fazer o risoto duas etapas?”. Pode, sim. Faz, vai tomar um banho e depois só finaliza (risos). O segundo momento é quando nascem os filhos. Porque realmente depois da amamentação, quando você se lembra que a criança precisa de comida, aí você grita: “papinha!”. Sou chef formada e fiquei muito preocupada com a papinha (risos).

O que você mais gosta de comer?
Fico muito feliz com comida básica e muito bem feitinha. Um purê de batata bem feito é a glória.