quinta-feira, 22 de julho de 2010

Maria Alice Vergueiro ensaiando


(originalmente publicado no Brasil Econômico de 16/07/10)

Tapa na cara

Lutando contra o Parkinson na vida real, a grande Maria Alice Vergueiro, fast-musa de Tapa na Pantera, volta ao teatro e à provocação com As Três Velhas

texto Phydia de Athayde

O convite não dá margem à resistência. Desde os primeiros momentos dentro do pequeno galpão do Grupo Pândega, nos fundos de uma vila no Centro de São Paulo, o visitante depara-se com dois homens usando anáguas e camisolas brancas. É entrar ou entrar. Ou melhor, já se está dentro.

Em instantes começará o ensaio da peça As Três Velhas, de Alejandro Jodorowsky, que estreia dia 20 de agosto no Centro Cultural Banco do Brasil. Quase tudo pronto.

O homem à direita, em pé, olhos no nada e expressão de jogador de futebol durante o hino nacional, aproveita o silêncio para alongar o pescoço. Ergue o ombro, joga a cabeça para um lado, para o outro, feito um atleta. O batom vermelho é que, no caso, não cai tão bem. Tão logo cessa o
alongamento, volta a ser o perfeito homem-mulher-bizarro de antes. Este é Pascoal da Conceição terminando de entrar de vez em Graça, a sua personagem octogenária e decadente.

Graça é irmã gêmea de Melissa, que por enquanto não existe porque Luciano Chirolli, apesar da camisola e anágua brancas, ainda não está montado na personagem — na verdade, ele é que seria cavalgado por ela dali alguns minutos. Chirolli faz aquele brrrlllrrrr com que atores aquecem a voz, atrás de um biombo. Passa, então, pelos quatro convidados sentados em cadeiras simples e diz “só falta umchegar, tá?”.

Sentada numa cadeira de rodas, a mão esquerda um pouco trêmula, vestida de preto e com olhar desligado, está uma velha. É Maria Alice Vergueiro, irreconhecível, já totalmente dentro de Garga, a centenária criada de Graça e Melissa. Comum véu negro sobre a cabeça branca, eis a atriz dos 50 anos de teatro de vanguarda e, não, a vovó maconheira dos poucos minutos de
Tapa na Pantera, o fenômeno do YouTube que a tornou fast-musa de nossos tempos.

Um mímica do mezanino para o tablado, e alguém se levanta da plateia de 10 lugares e apaga a luz ambiente. Acende-se uma luz verde e... tocam os três sinais, senha mestra do teatro. Começou.

Já nas primeiras falas, “cadela”, “puta incestuosa” e “cu nojento”. Até o fim da próxima hora, Garga e as marquesas atravessarão uma noite de horrores falados, sonhados e vividos. Percorrerão toda a vastidão do subterrâneo humano. Incesto, estupro, aborto e nudez até o tabu maior, canibalismo. É tudo “uma grande fábula, para adultos”, explica e adverte Pascoal.

Neste ensaio, os atores estão a um palmo da diminuta plateia. Não carece HD para ver o suor brotar na testa. Dá para sentir o cheiro de catchup quando Melissa sangra. A performance de Chirolli é especialmente desgastante e, no fim, apesar de exausto, ele está de alma lavada. “A gente deixa tudo lá, por isso é tão bom”, aponta para o pequeno palco. Maria Alice continua na cadeira de rodas. O joelho vai mal. E ela tem Parkinson. “Vou pedir ao neurologista que me receite algo para a tremedeira interior. Quando vejo minha mão tremer, tremo por dentro”, diz. Mas está feliz, e muito, por voltar à cena. “Eu tinha que voltar à linha de frente. A Marta Góes (dramaturga) me disse para passar as minhas limitações para a personagem. Aí, eu transcendo.” Sem dúvida, ela está prestes a dar mais um tapa.

AS TRÊS VELHAS
20/8 A 30/10, NO CCBB-SP
R. ÁLVARES PENTEADO, 112
(11) 3113-3651

Um comentário:

Jorge Feitosa disse...

Para mim Maria Alice e um exemplo de perseverança e força, atrizes como ela existem poucas.

E muito bom saber que ela estará em breve no palco, não vejo a hora que isso aconteça.
Desejo muito sucesso!