quinta-feira, 23 de julho de 2009

bilhetinho

Este bilhete, pendurado na porta de vidro deste blog, diz o seguinte:

VOLTO LOGO. ACHO.

Enquanto isso, tenho arriscado alguma coisa no www.twitter.com/_phydia
É lá que tenho avisado das últimas reportagens publicadas, com link direto.
Entonces, como se diz, me segue! @_phydia

terça-feira, 19 de maio de 2009

sábado no bairro

Passei o último sábado no Jardim Arpoador, periferia da zona oeste de sampa, perto da Raposo Tavares. Lá conheci a história bonita de um cara que se alimenta de alimentar os outros. Ele ganha bem, poderia fazer como a maioria e deixar para trás a pobreza e as limitações que a periferia costuma impor. Mas escolheu o contrário. Continua lá e, à sua maneira, lidera uma pequena revolução. Daquelas coisas que não têm preço na vida. O texto abaixo saiu na CartaCapital edição 546, e por conta da minha preguiça e ignorância com botões, os itálicos não foram preservados (mas nome de filme é nome de filme, certo?)

O guerreiro Xirú

Orfão de pai, filho de faxineira, o mais velho de quatro irmãos, nascido no periférico Jardim São Jorge, aluno de escola pública. Negro.

Gerente Uniclass, proprietário de um Citroën C-3, frequentador assíduo do Espaço Unibanco de Cinema, empreendedor social. Negro.

Para contrariar ao menos meia dúzia de estatísticas e passar do primeiro para o segundo parágrafo, o paulistano Ricardo Rodrigues, de 32 anos, ralou. Foi bom aluno, ouviu o conselho da mãe e preferiu estudar a ficar “na noite com amigos”, pagou uma faculdade particular de administração com o salário de motoboy que revendia os tickets-alimentação, e começou a trabalhar em banco como estagiário de televendas do Sudameris. Um ano depois, era o melhor vendedor do Brasil. Foi efetivado, passou seis anos no Banco Real e está há seis meses no Unibanco, onde é gerente Uniclass, ou seja, atende os clientes top, privilegiados.

Ah, sim, Xirú (apelido de infância) também é volante no time de várzea Jardim Arpoador. Todos os domingos, religiosamente, comparece ao campinho para defender a quebrada com os camaradas. Não que seja ruim de bola, mas é pelo que faz aos sábados, também religiosamente, que ele está se tornando uma referência no bairro.

“Eu chego aqui para perguntar pra ele: o que você vai me dar?”, diz Leandro Novaes, de 27 anos, estudante de contabilidade. Ele é um dos cerca de 70 cadastrados na videoteca Olhar Marginal, que ocupa as tardes de sábado de Xirú há quase um ano. A ideia de oferecer “informação e cultura na periferia”, como diz o cartaz do lado de fora de um salão de cabeleireiro comunitário, onde funciona atualmente, nasceu da vontade de compartilhar seu acervo de DVDs. “O que vem pra nós na televisão é a sobra, o BBB, o resto. Então o bom está aqui, um filme cubano, um filme sobre a América Latina”, aponta, orgulhoso, para as quatro gôndolas repletas de DVDs (são quase 200 títulos).

“Aqui vejo coisas que não passam na tevê”, acrescenta Leandro. Ele e outros 25 frequentadores participaram de uma ida ao Espaço Unibanco para assistir ao épico Che, de Steven Soderbergh, como parte das comemorações do primeiro aniversário da videoteca. O passeio lotou uma Kombi e foi registrado para o que deve se transformar em um documentário, a figurar nas prateleiras em breve. O mentor da videoteca não cobra pelo empréstimo das fitas, cujo prazo de devolução é de largos sete dias, até o sábado seguinte. O empreendimento nada tem a ver com “lucro”, “ganhos” ou “rendimentos” – palavras que ele, o engravatado Ricardo Rodrigues, profere de segunda a sexta-feira para clientes com carteiras de investimento de até 500 mil reais. “Durante a semana eu trabalho para o capitalismo e, no sábado, faço o socialismo”, brinca Xirú, de camiseta, calça jeans e tênis.

Mas não se trata apenas de um leva-e-traz de filmes. Ele recomenda uma filmografia personalizada para cada cliente. Algo como um personal cinéfilo de esquerda. “Sou um socialista, em uma palavra: inconformado.” Em troca, quem chega com um DVD traz sempre uma opinião, uma crítica, um comentário. “Da hora. Dei muita risada com esse filme”, diz o estudante de nutrição Tiago Bueno, de 23 anos, sobre Estômago, de Marcos Jorge. Mal entrega a caixinha preta, sem capa ilustrada (xerocadas, elas permanecem nas estantes), e pega outro, Favela Rising, de Jeff Zimbalist e Matt Mochary. Tiago é o cliente mais assíduo da videoteca. Sua ficha tem três páginas e 56 filmes registrados.

É meio da tarde do sábado e o movimento é intenso. Sobre uma mesinha, um televisor exibe trechos do programa Ensaio com o sambista Roberto Ribeiro. Antes, passou um DVD do Quinteto em Branco e Preto. Depois, o documentário sobre Paulinho da Viola, Meu Tempo É Hoje. No outro canto, uma caixinha de madeira guarda as fichas cadastrais e, ao lado, uma enorme pasta com zíper abriga dezenas de DVDs. Xirú é o único que entende tudo nessa bagunça.

Bem ao lado, praticamente no mesmo ambiente, funciona o salão de cabeleireiro do Projeto Negro Alli. Também está bombando. A mão custa 7 reais, o pé, 10, e a escova, 18. O cheiro de laquê e do vapor dos secadores de cabelo às vezes invade a videoteca, mas ninguém se importa. A economista Maria Elena Caramigo, de 33 anos, é fã dali. O primeiro filme que levou foi Encontro com Milton Santos, de Sílvio Tendler. “Vir aqui mudou completamente minha forma de pensar a América Latina. E olhe que eu sou até privilegiada, estudei na Faap, li, mas só tinha acesso ao enlatado”, admite, com o filho Eduardo no colo. Da última vez, levou Quanto Vale ou É por Quilo?, de Sérgio Bianchi. Agora, quer algo sobre a Venezuela. “É difícil eu falar de revolução para os diretores do banco, que pensam em lucro. Mas, com os colegas de trabalho, estou fazendo o maior sucesso”, diz a funcionária do BicBanco.

A um novo frequentador Xirú começa de mansinho. “Primeiro eu indico o Ali (biografia do boxeador, com Will Smith), que é meio pipoca, mas, na história ele conhece o Malcolm X, então pode ver esse aqui, X (biografia do líder negro, com Denzel Washington), e quem sabe depois esse aqui”, diz e aponta para o documentário Panteras Negras. Nessa demonstração do personal cinéfilo alternativo, Xirú passou por dois dos três títulos mais procurados da videoteca: Panteras Negras e X. O outro é o documentário Ernesto Che Guevara.

Com uma cerimônia incomum nos centros ricos da cidade, mãe e filha chegam e passam os olhos pelas estantes. Após dez minutos, cada uma pegou uma fita. Maria das Graças Bezerra da Silva, a mãe, Vidas Secas, de Nelson Pereira dos Santos. Ela tem 50 anos, nasceu em Vitória de Santo Antão, Zona da Mata pernambucana, e “aos 7 ou 8 anos” baixou para São Paulo. “Li esse livro no ginásio, lembro que eram retirantes, e me lembro muito da cachorrinha, magrinha”, diz Maria, antes de silenciar em memórias. Então segue: “Digo para muita gente vir aqui, que é legal, que não precisa pagar. O neto da dona Maria (Xirú) fala que faz isso para dar informação para as pessoas”.

“É porque as pessoas assistem muita televisão”, completa Aryane, de 12 anos. Ela escolheu Kill Bill, de Quentin Tarantino, “gosto de filme de espiãs”, e diz que a família abandonou a locadora do bairro depois de conhecer a videoteca. O motivo é matemático: “Lá fazem promoção de cinco filmes por 10 reais, em dois dias. Não sei se é bom para eles ou para nós”. Xirú mal contém a satisfação ao ver Vidas Secas fazer sucesso. “É nossa história, é nossa gente.” Por outro lado, sofre com aqueles que não gostam (talvez não consigam) ver filmes legendados. O saldo, porém, é positivo. Ele mesmo explica onde está o retorno: “Aqui tenho filmes de vencidos e não de vencedores. As pessoas se sentem mais fortes ao conhecer a história de quem lutou por um mundo diferente desse. Conhecem Malcolm X e voltam mais fortes, com mais autoestima”.

quarta-feira, 11 de fevereiro de 2009

a viagem


anotações de viagem

A minha viagem ao Pará incluiu, antes do Fórum Social Mundial em Belém propriamente dito, um passeio de 1.500 km, percorridos de ônibus, de Marabá até a capital paraense. Era o Fórum Carajás, uma expedição promovida pela Via Campesina e o MST para mostrar o que chamam de "projeto do povo" versus "projeto do capital" para a Amazônia. O objetivo é demonstrar as diferenças do modo de operação e objetivo social de um assentamento de sem-terra, por exemplo, ao de uma mineradora. Brabeira. Pano pra muitas mangas pra discutir sobre o que é comparável e o que é incomparável, a abrangência de um e de outro projeto, sem falar em balança comercial, PIB, PAC e outros piripaques. Enfim.

A uma certa hora, estava eu olhando para a paisagem da janela do ônibus. Estávamos na PA-150, a alguns quilômetros da famosa cidade de Tailândia (um google básico explica a fama). Até aquele momento, e eu já tinha visto a Floresta Nacional de Carajás, as minas de ferro da Vale em Carajás, o local do massacre dos 19 sem-terra em Eldorado do Carajás (e a inauguração de uma escultura triste e linda pra lembrar os 19 mortos), o assentamento 17 de abril (batizado com a data do massacre), a hidrelétrica de Tucuruí (a maior do País, fora Itaipu) e os mal-indenizados que perderam as casas e os peixes com a criação da barragem.

Dentro da cabeça, os elementos eram esses. Fora, os de uma Amazônia que não existe mais. Ou melhor, do que resta - e vai restar - do que um dia foi uma floresta conhecida por castanheiras que vivem, se deixarem, mais de 500 anos.

A lista do que vi da janela:

- "Madeireira Nova Esperança", intrigante nome de uma das incontáveis madeireiras na beira da estrada.
- pilhas e pilhas de troncos de árvores amontoados, jogados no mato baixo.
- infinitos pastos meio selvagens com capim alto, um ou outro boi, uma ou nenhuma árvore.
- muitos fornos de carvoarias (onde se queima madeira pra abastecer siderúrgicas).
- plantações de eucalipto (mais madeira e mais rápido onde a original já virou carvão).
- placas do "Banco da Amazônia" propagandeando financiamentos a cada porta de fazenda.
- fios de alta tensão acompanhando a estrada (energia gerada em Tucuruí indo servir o Brasil).
- urubus sobrevoando um lixão. Essa cena, só uma vez.

Todas as outras, muito mais vezes do que pareceria razoável.
Mata virgem? Floresta? Araras vermelhas? Só no livro do Araquém Alcântara, na livraria chique mais perto de você.

quarta-feira, 4 de fevereiro de 2009

significa "lembrança de belém"







hehehe...
quatro dias depois, desbotou mas ainda não saiu.



domingo, 1 de fevereiro de 2009

no fim, o final

Domingão, ao fazer as contas, percebi que em menos de 24 horas estarei dentro de casa. E esta é uma perspectiva encantadora.

Volto a São Paulo com uma pintura kayapó no braço esquerdo, que deve durar alguns dias (é hit do FSM, não resisti, hehe...), com um bloquinho cheio de anotações de histórias a serem contadas no site ou na versão impressa da CartaCapital e, principalmente, com a estranha sensação de que conheci muito pouco deste Brasil tão grande e tão tristemente abandonado à própria sorte.

Bom, desde ontem o clima no FSM, ou melhor, no Acampamento da Juventude, estava em franca transição. Em 2005 também foi assim. Tudo começa hippie-romântico e termina, digamos, punk-sinistro. É quando o cansaço já está bem maior do que a tolerância, a paciência e o bom humor. Claro, sempre tem os animados full time, e isso é lindo. Mas de alguma forma eu fico aliviada da coisa toda durar "só" cinco dias.

Para mim, durou quatro. Depois de passar a noite inteira em um processo involuntário de emagrecimento/desidratação (graças à deliciosa - mesmo! - comida paraense), fiquei confinada em meu quarto de hotel toda a manhã de hoje. Da janela, vi os 5 minutos de sol quente antes da chuva, ela, sempre ela, cair sem parar desde então. O que muda é a intensidade.

Está marcada para 14h30, ou seja, para agora mesmo, a "Assembléia das Assembléias", no campus da UFRA. De lá, disseram, deve sair a Marcha de Encerramento. Deve ser legal, pena que não conseguirei ir.

Começar é bom. Terminar também.

sábado, 31 de janeiro de 2009

la mehor tecnolohia







que boba eu, achando que minhas fotos ficariam "presas" no celular até são paulo. por sorte ontem um amigo, mais ligado e mais inteligente dessas coisas tecnológicas, me disse o óbvio: é só pedir pra alguém que tenha bluetooth no laptop puxar as suas fotos! mas é claro! hahaha...

e pra comemorar o livre acesso às ondas invisíveis de bites, eis três fotitas do aparelho que, so far, merece o prêmio número um de maravilha tecnológica de belém.

de um taxista: um chaveiro-abridor-de-garrafa-cortador-de-unha. ah! e com o escudo do remo.

(...pena que sou incapaz de organizar o lugar das fotos no brogue...)




acampados no FSM




É! Ontem enfim visitei os acampamentos do FSM. Que dó da galera, numa chuva que não pára, com roupas estendidas para não secar nunca... Tudo bem, quem tem 20 e pouquitos vai adorar a balada. Mas, mesmo assim, ouvi muita gente reclamando de formiga nas barracas (também não é difícil ver cobras e escorpiões, mas esses não entram na barraca, ao contrário das formigas). Aliás, as formigas paraenses mereciam um texto só pra elas. Ô, bichinhas ferozes! Estou com cinco marcas nos pés... Mas, bueno, não deve ser nada pra quem está acampado. Ah! Escrevi sobre o acampamento pro site da CartaCapital (ainda não está no ar... não sei quando vai entrar). Aqui vai um trecho:
"O Acampamento da Juventude fica no campus da UFRA enquanto a maiorparte das salas de debates e atividades acontece no campus da UFPA,mais "urbano", se é que me faço entender. Na UFRA, creio que por seruma universidade rural, as instalações são distantes, há muito mais vegetação e tudo parece longe. É lá que está a galera acampada.
Na Aldeia da Paz, que é um dos pedaços do mosaico de acampados, o chãoé de terra preta que, molhada, vira uma lama cor de café. Em pontos estratégicos há serragem no chão para evitar a lama. Em outros pontos,vigas de madeira funcionam como pequenas pontes para evitar o barro.Ao lado das barracas iglus, toalhas e roupas estendidas em varaisimprovisados banharam-se na chuva, ou melhor, nas chuvas, que caíramesta tarde. Nos outros dias, bastava um aguaceiro e o céu abria. Hoje decidiu chover menos e mais vezes. Apesar de tudo, e esta é parte damágica do FSM, o clima era o mesmo hippie-cósmico-romântico de PortoAlegre. Debaixo das lonas, oficinas de meditação e a entoação demantras convidavam quem se deitava na palha (afinal, palha seca) a viajar para outro mundo. Era possível."

sexta-feira, 30 de janeiro de 2009

no Fórum

Estou em Belém, na maior feira pós-hippie do mundooo, hehehe...
Tenho enviado pequenos textos, que estão saindo no site da CartaCapital (www.cartacapital.com.br). A máquina digital que eu trouxe pra cá quebrou no segundo dia. Pena! Tenho feito várias fotos por celular, mas elas só saem do bichinho via bluetooth, ou seja, só em Sampa...
Mas vamos indo.

quarta-feira, 21 de janeiro de 2009

o que me espera

Instuções técnicas:

"Em Marabá, temperatura em torno dos 30 a 40 graus. Região com alta incidência de malária e dengue. Levar repelente, filtro solar e capa de chuva"

Ou seja, comemorarei um dia fresco quando fizer "só" 30 abafados graus.

Simples assim.

Bora!!!

segunda-feira, 19 de janeiro de 2009

O xerife da Pio XI




Na foto, a dupla dinâmica, Vladen e Valentina
(essa história eu publiquei na CartaCapital, também em dezembro. É sobre um desses figuras que toda grande cidade tem. Vladen, o "xerife" da rua Pio XI)
Quem passa pela rua Pio XI, no alto da Lapa, zona oeste de São Paulo, mais dia menos dia vai reparar a presença de um homem robusto, de roupas cáqui, óculos aviador e chapéu de caçador, a subir e descer a rua numa bicicleta cheia de apetrechos.

Os 130 quilos e o 1,86 metro de altura de Vladen Mencinauskis Nogueira, de 39 anos, chamariam a atenção por si só. Mas a figura só fica completa com sua “Valentina”, a valente bicicleta paramentada com equipamentos tais como buzina de caminhão, duas sirenes diferentes, um guarda-chuva, duas lanternas e um cabo de vassoura coberto por fita isolante, a se passar por cacetete. “Falam que eu tenho pinta de policial”, gaba-se. Ele conta que, por ser grandalhão, aos 15 anos já fazia informalmente a segurança de um cartório, no centro.
Antes de chegar à Pio XI, foi vendedor e corretor de linhas telefônicas. A convite de um cunhado, fez o “patrulhamento” de uma rua, no Parque São Rafael, sudeste da cidade. Intercalava essas ocupações com trabalhos em empresas de segurança. Numa delas, fez o curso específico para a função e tirou o porte de arma.

Vladen estudou apenas até o primeiro grau, e compensa a deficiência na formação com o interesse em aprender, a peculiar simpatia e um afiado senso de oportunidade. Estava na própria Pio XI quando ouviu o comentário de que a rua vinha sendo alvo de assaltos e iriam contratar seguranças. “No dia seguinte, peguei meu currículo, convoquei uma reunião e fechei com 15 clientes”, conta. O empreendimento começou com cinco funcionários e rondas 24 horas por dia, mas encolheu “com a flutuação de inquilinos”.

Há um ano é o próprio Vladen quem faz a ronda diária, além da “cobertura de entrada e saída dos clientes”, a bordo de Valentina. Significa basicamente acompanhar a abertura e o fechamento do comércio, passar o cadeado nas correntes, conferir se as câmeras de segurança estão intactas, conhecer os funcionários pelo nome (os transeuntes freqüentes, de vista) e estar sempre de prontidão. “À paisana, posso me passar por um civil e surpreender”, acredita, e explica: “Meu intuito não é confrontar, é espantar. O bandido quer agir às escuras. Ele me vê, não sabe quem eu sou e acaba desistindo”. Note-se que a Pio XI é íngreme, então não é raro ele aparecer algo ofegante.
Na frente de uma clínica oftalmológica, ele observa os pedestres. Cumprimenta quase a metade dos que passam. E ensina: “Quem anda olhando para frente, em linha reta, é trabalhador. Vagabundo olha pra todo lado, está sempre procurando alguma coisa”.

Após a saída da última funcionária, é hora de fazer a cobertura (ou conter o trânsito para o carro sair da garagem) da saída do oftalmologista Mauricio Della Paolera, que diz: “Ele é tranqüilo, cuida das funcionárias e põe a molecada pra correr. Antes, tinha muito assalto, agora não. O cara olha e sabe que a clínica não está sozinha”.

Consultório dentário, curso de mergulho, imobiliária, curso de inglês, escola infantil, loja de móveis, tinturaria. É longa a lista dos 25 clientes de Vladen, sem contar os “colaboradores”. Gente como o auxiliar terceirizado Adriano Trindade, de 22 anos, há oito meses na Pio XI. Adriano vive de orientar quem chega de carro ao Sebrae para se dirigir ao estacionamento. “Eu pensava que ele só andava de bicicleta, depois é que soube que fazia esse serviço”, diz o rapaz. E Vladen, orgulhoso: “Está vendo? Ninguém sabe o que eu faço”. Em seguida, fila de Adriano um dos muitos cafezinhos do dia. E segue a ronda.
Alguns metros acima, passa a corrente em outro estabelecimento, não sem antes verificar, pelo vidro fumê, se está tudo em ordem no escritório. Antes de se dirigir ao próximo ponto, detalha mais a rotina. A Pio XI sofre com furtos de relógios de água, “alguns têm cobre dentro, por isso levam”, com a ameaça das pichações, “eles têm uma marca registrada, cada uma é uma gangue. Procuro identificar essas marcas para saber quem responsabilizar”, e com os acidentes com motoboys, “eles são abusados, vão na contramão. Mas, quando tem acidente, sou o primeiro a ligar para a PM e para a CET”.

Se um mendigo decide se instalar na rua para dormir, Vladen usa de diplomacia: “Digo ‘meu amigo, você tem que sair. Tem duas praças aí embaixo’, e, na boa educação, eles saem. Com pedintes é a mesma coisa, oriento a procurarem uma igreja”. Certa noite, uma dupla de crianças de rua dormia ao relento. “Entreguei as duas na porta de um abrigo da prefeitura aqui perto. Criança na rua não pode”, diz, todo coração.

Mas ele também pode ser duro, conforme descreve em jargões policiais: “Em um assalto a automóvel, cheguei em apoio: chave-de-braço até a chegada da polícia”. Vladen credita aos cursos que fez o conhecimento de defesa pessoal, mas Steven Seagal também tem parte nisso. O xerife é fã do ator-lutador: “Gosto bastante, inclusive aprendi muitos golpes de arte marcial nos filmes dele”. Também é fã de Chuck Norris.
Se já sonhou em ser policial? “Não, porque sempre ganhei mais do que um cabo da PM.” A florescer nas deficiências do Estado, a segurança presencial-informal-camarada de Vladen converte-se em cerca de 2 mil reais por mês. Ele critica a burocracia e as exigências para abrir uma firma. “Sabe o que dói? O governo, o Ministério Público, chamarem meu serviço de clandestino. Pôxa, levei todos os meus documentos para o batalhão do bairro, me credenciei na Polícia Civil, mas, infelizmente, a Federal não aceita”, resigna-se. Além do desprezo oficial, Vladen convive com as empresas de segurança que fazem vigilância motorizada. A um toque de celular, em um minuto aparece na esquina Ederaldo Ferreira de Oliveira, numa moto. Ele ainda não tinha visto Vladen, então este aciona uma de suas sirenes, uól-uól-uól, e é rapidamente localizado. Trocam um aperto de mão e se despedem.

Ele segue na Pio XI e divaga, satisfeito: “Pelo meu cargo, sou um chefe de segurança do pedaço, alguns até me chamam de xerife”. Em seguida, se diz espiritualista e emenda: “Troco um pneu, empurro carro quebrado, recolho cachorro perdido, tiro bêbados do meio da rua, aviso se a luz do poste queimou... Faço tudo com gosto, pois tenho que dar o máximo de exemplo”. A jurisdição fantástica de Vladen vai do número 150 ao 824 da Pio XI, mas só durante o expediente. “Depois do serviço, adoro tomar uma cervejinha no bar Bururu. É quando a Valentina passa a ser movida a álcool”, ri o Steven Seagal da Lapa.

terça-feira, 13 de janeiro de 2009

as voltas que o mundo dá

...No fim do mês, logo logo, vou ao Pará. Serão três dias de floresta (há muito tocada pelo homem, ou seja, cheia de problemas) e quatro dias no Fórum Social Mundial, em Belém.

É ou não é engraçado encontrar somente via google a reportagem que fiz, em 2005, quando o Fórum aconteceu em Porto Alegre? Daquela vez, fiquei o tempo todo no Acampamento da Juventude. Lá, na experiência real do outro mundo possível. Está tudo no texto... que se não figura mais no site da CartaCapital, apareceu aqui:
http://www.sindicatomercosul.com.br/noticia02.asp?noticia=21161 (com os devidos créditos, mas sem o box que falava como é tomar banho em público, de sunga ou biquíni. e com fila)

Eita internet véia sem portêra!...

quinta-feira, 8 de janeiro de 2009

(matéria que fiz, publicada na edição 526 da CartaCapital, em dezembro de 2008)

Cuidado ou cadeia?
Dados sobre a mortalidade de mulheres que abortam não sensibilizam a Câmara, que abre a CPI da “indústria do crime”

Ninguém gosta, ninguém planeja. Ainda assim, todos os anos, cerca de 240 mil brasileiras são internadas nos hospitais do SUS em decorrência de abortos inseguros. Elas chegam com hemorragia, infecções e não raro são destratadas por médicos e enfermeiras. O aborto é crime no Brasil e, se isso não diminui as ocorrências, como mostram pesquisas no mundo todo, enche de medo, vergonha e fragilidade as mulheres que o praticam.

Enquanto o Ministério da Saúde trabalha para que o assunto seja tratado como questão de saúde pública, a Câmara dos Deputados caminha para o lado oposto. Na terça-feira 9, aprovou a criação da CPI do Aborto para “investigar profundamente as denúncias e fazer valer a aplicação da lei, atinja a quem atingir”, conforme o pedido de abertura.

Entre os atingidos estaria gente como a baiana Olívia (nome fictício), chefe de família, negra, de 39 anos e um filho de 5. Doméstica, estudou até o segundo grau. “Fiz o aborto quando tinha 29 anos. Decidi porque não tinha condições de assumir. Foi desesperador, eu tinha terminado um namoro de oito anos antes de saber da gravidez. Tomei inúmeros chás, achava que ia sangrar imediatamente, de raízes, de malmequer, gengibre, boldo, espinho-cheiroso. Passou uma semana, resolvi procurar o ex-namorado e ele providenciou os comprimidos, né? O Cytotec. Tive hemorragia, muita cólica e a dor não passava, minha patroa desconfiou, me colocou contra a parede e confessei. Ela me levou ao hospital e ajudou a me internar. Foi horrível, porque era véspera do Dia das Mães.”

O depoimento está no dossiê inédito A Realidade do Aborto Inseguro na Bahia, organizado pelo Instituto Mulheres pela Atenção Integral à Saúde, Direitos Sexuais e Direitos Reprodutivos (Imais), em parceira com as principais organizações que atuam pela legalização do aborto no País. O trabalho tem 60 páginas e revela as conseqüências do aborto clandestino em Salvador e Feira de Santana.

Na capital baiana calcula-se que 72 mulheres percam a vida a cada 100 mil nascidos vivos, embora os números oficiais apontem 51 óbitos. Essa taxa de mortalidade materna é 7 vezes maior do que o mínimo aceitável pela Organização Mundial da Saúde (de 10 mortes a cada 100 mil nascidos vivos). O aborto é a principal causa isolada dos óbitos. Além disso, em Salvador, a cada 100 internações por parto, ocorrem 25 em decorrência do aborto. A proporção nacional é de 15.

Além de histórias de quem sobreviveu ao aborto e de relatos de familiares de mulheres que morreram após o procedimento, o dossiê reúne dados do Ministério da Saúde e da Secretaria de Saúde do Estado da Bahia, bem como pesquisas acadêmicas sobre mortalidade materna. Também realizou a visita a quatro maternidades com os índices mais altos de morbidade, e entrevistou profissionais de saúde e especialistas.

O dossiê confirma algo que os movimentos de mulheres e o Ministério da Saúde lutam para tornar mais conhecido: o aborto é praticado por mulheres de todas as classes sociais, níveis de escolaridade, etnias e religiões. A diferença está nas conseqüências. Em Salvador, morrem em decorrência de aborto essencialmente as mulheres jovens, pardas e negras, com formação primária. As menos assistidas.

No Brasil, o risco de morte por aborto é quase 3 vezes maior nas mulheres negras que nas mulheres brancas e o risco de morte por aborto é 4,5 vezes maior nas mulheres com menos de 4 anos de estudo quando comparados com aquelas com mais de 8 anos de estudo.

Além de expor a realidade em números, o trabalho avalia o tratamento que mulheres em abortamento costumam receber. Outro trecho do depoimento de Olívia é igualmente representativo.

“Eu estava na ante-sala pra fazer a curetagem. Botavam ali como se fosse um castigo. Fiquei o dia inteiro. Veio o médico, fez o toque, não falou nada. E vinham os estagiários, levantavam a roupa e enfiavam o dedo, sem dizer nada, vinha um, vinha outro, eu me sentia uma coisa... No domingo me transferiram pra sala de curetagem, junto com outra paciente. Eu me sentia totalmente insegura, me sentia no açougue. (...) Fiquei com muita cólica ainda, três dias, a menstruação parecia um rio jorrando e tive muito medo de morrer sozinha.”

Na tentativa de amenizar o problema, em 2005 o Ministério da Saúde baixou uma norma técnica a determinar a humanização do atendimento nesses casos. “Se algo é tratado como crime, fica muito mais difícil enfrentar, embora qualquer pessoa devesse ser tratada humanamente em qualquer situação”, diz Lena Peres, do Departamento de Ações Programáticas e Estratégicas do ministério. “Trabalhamos pela descriminalização do aborto. Até para podermos fiscalizar, pois não há como fiscalizar o que não existe.” A estimativa mais recente coloca entre 700 mil e 1 milhão o número de abortos realizados anualmente no País. À margem da lei e do sistema de saúde.

A missão de lidar com algo condenado à marginalidade ganhou contornos surreais no episódio de Campo Grande (MS). Insuflados por uma reportagem veiculada pela afiliada da Rede Globo, a revelar a existência de uma clínica que praticava abortos na cidade, o promotor Paulo Cezar dos Passos, a delegada Regina Márcia Mota e o juiz Aluízio Pereira dos Santos travaram uma batalha sem precedentes contra quase 10 mil mulheres, todas acusadas de praticar aborto.

Após a veiculação da reportagem, em abril de 2007, o Ministério Público denunciou as 9.896 mulheres, cujos prontuários médicos foram apreendidos na clínica. Em novembro, o juiz determinou o arquivamento de 7.698 fichas nas quais não havia “fortes indícios” de aborto ou o registro era mais antigo do que a prescrição do crime, que é de 8 anos. Após essa triagem, cerca de 1,5 mil mulheres estão sendo indiciadas por crime de aborto. Cento e cinqüenta já foram investigadas e, até o momento, perto de 50 foram convocadas e aceitaram um acordo que propõe a suspensão do processo em troca do cumprimento de condições, sendo o trabalho comunitário em creches e instituições carentes uma das opções.

“Meu objetivo não é perseguir mulheres, mas não posso prevaricar”, argumenta Santos, de 45 anos, 11 como juiz. Ele se declara um católico que vai à igreja em batizados e casamentos. “Não sou tão ativo como disseram.” Santos considera-se injustiçado pelo teor das reportagens veiculadas sobre o caso, “um monte de absurdos”, e discorda das críticas que recebeu, de defensores dos direitos das mulheres, de que enviar acusadas de aborto para trabalhar em creches é uma forma de tortura psicológica. “Na minha visão, é uma oportunidade para a mulher que cometeu aborto ver como outras conseguem criar os filhos, apesar das dificuldades, e refletir. Jamais imporia uma situação humilhante”, sustenta. Ele credita todas as atitudes tomadas à letra fria da lei, e não esconde o cansaço com o tema. “No dia que o aborto deixar de ser crime, ótimo, menos perturbação na minha vida.”

Se às mulheres foi dada a opção de prestar serviços comunitários, a proprietária da clínica, Neide Mota Machado, não escapará do julgamento pelo crime de provocar aborto com o consentimento da gestante. “No caso dela não há benefício por causa da reiteração do crime”, explica o juiz, que determinou a ida da acusada a júri popular. A defesa recorreu, e o processo ainda não terminou.

O episódio ganhou contornos absurdos, como no caso da mulher que apresentou o filho à Justiça para provar que desistira do aborto, e espalhou na cidade um clima de caça às bruxas. Assim como o magistrado, o promotor Passos alega ter apenas cumprido a obrigação, embora reconheça alguns excessos. “Nós, o MP, a polícia, o Judiciário e a imprensa, jamais poderíamos ter exposto essas mulheres à curiosidade mórbida da população”, admite, embora discorde de outra crítica ao processo, a de que os prontuários médicos são invioláveis e não poderiam ser expostos. “O eventual sigilo médico não pode acobertar crimes.”

Passos tem 40 anos, 17 de Ministério Público, diz ter restrições à descriminalização do aborto e considera emocional qualquer discussão a respeito. “O aborto é um problema social que ultrapassa em muito o campo do direito penal. A maioria das mulheres não faz porque quer, mas não posso me afastar do fato de que é um crime, está no Código Penal.”

Apesar do rebuliço, é improvável que alguma das indiciadas termine na cadeia (nas prisões brasileiras não há presas por aborto). Mas a repercussão nacional reacendeu ânimos tanto dos que defendem a legalidade como dos que condenam o procedimento.

“O caso de Mato Grosso do Sul é apenas a ponta de um iceberg. Mostra que há uma realidade que não pode ser deixada de lado. Temos de enfrentar o problema, independentemente de sermos contra ou a favor”, diz Peres, do Ministério da Saúde.

A percepção de que é melhor enfrentar uma realidade do que ignorá-la provoca arrepios em quem é fundamentalmente contrário à prática. É o caso do deputado Luiz Bassuma (PT-BA), da Frente Parlamentar Contra o Abortamento. Mesmo diante dos números de mortalidade em razão do aborto na Bahia, ele não considera o problema caso de saúde pública. “Aborto é crime. Isso (a mortalidade) acontece porque o estado é muito populoso e as mulheres pobres não recebem a orientação devida. Antes de corrigir, é preciso prevenir a gravidez”, prega. Sobre a necessidade de dar melhor assistência à mulher que aborta, ergue o tom de voz: “Aí temos uma discordância frontal, por isso nunca vamos entrar num acordo. O Estado nunca poderá permitir que se mate uma vida”.

Bassuma assinou o pedido da CPI do Aborto e pretende investigar o funcionamento de clínicas como a de Campo Grande e a venda de medicamentos abortivos, sendo o Cytotec (nome comercial do misoprostol, usado no tratamento de úlceras) o mais comum. “Sou contra a prisão da mulher que aborta, ela deve ter uma pena leve. Mas quem ganha dinheiro com essa indústria do crime deve ir para a cadeia”, diz. No entender de Bassuma, a mulher de classe social mais alta, para quem “o Estado não falhou”, nunca deveria abortar. Se o faz, comete crime ainda mais grave.

“Claro que o ideal é a prevenção. No entanto, mesmo quando todos tiverem acesso aos métodos, ainda assim vai haver gravidez indesejada. Às vezes o parceiro discorda da prevenção e impõe sua vontade. Nenhuma mulher é louca de querer abortar. Se o faz é por conta de uma situação muito concreta”, defende Dulce Xavier, da ONG Católicas pelo Direito de Decidir. Ela defende que a interrupção da gravidez nunca deve ser tratada como método anticoncepcional, e concorda com Bassuma quanto à fragilidade das políticas públicas de planejamento familiar. Mas só. “Criminalizar a mulher é uma injustiça muito grande, porque todos os outros envolvidos não são sequer mencionados, como o parceiro que a abandona, o patrão que demite ou o Estado que não supre.”

Nos últimos anos, no entender da ativista, a discussão sobre o aborto avançou o suficiente para acirrar forças tanto favoráveis como contrárias. Na Conferência Nacional de Política para as Mulheres, em 2004, a legalização do aborto foi considerada um tema de saúde reprodutiva, uma vitória para os movimentos de mulheres.

Em 2005 criou-se uma Comissão Tripartite (com integrantes do Legislativo, Executivo e sociedade civil) para propor uma nova legislação para o Brasil. O trabalho resultou na proposta de descriminalização e legalização do aborto até doze semanas por qualquer motivo, até vinte semanas em caso de gravidez resultante de estupro e a qualquer momento diante de risco de morte para a mãe ou má-formação congênita do feto. Mesmo sem incorporar a proposta, um projeto de lei (1.135/91) que retirava do Código Penal o artigo que tipifica aborto como crime foi rejeitado em duas comissões, a última vez em maio deste ano, e aguarda votação de um recurso para ser levado ao plenário da Câmara.

A pesquisa nacional recém-divulgada (detalhes à pág. 30), encomendada pela Secretaria de Direitos Humanos, quis saber a opinião dos brasileiros sobre o fim da prisão para a mulher que aborta. Mais da metade, 54%, disseram ser contra, e quase um terço, 31%, a favor. Uma parcela significativa, 11%, mostrou indecisão, “nem um nem outro”, e 3% disseram não ter opinião a respeito. Um levantamento anterior, do Ibope/ Católicas pelo Direito de Decidir, apontou que 47% dos católicos eram contrários à prisão nesses casos.

Autor do recurso ao PL, o deputado José Genoino (PT-SP) está pessimista. “Sinto que estamos em uma luta de resistência. Nos últimos vinte anos, recrudesceu o conservadorismo e aumentou o fundamentalismo religioso na Câmara”, diz. Ao contrário dos colegas que pediram a CPI do Aborto, Genoino é favorável à descriminalização e se baseia no que dizem análises técnicas sobre mortalidade materna. “A Câmara anda para trás. Todos os estudos mostram que a clandestinidade do aborto é a principal causa de mortalidade materna. Está provado que a melhor maneira de diminuir o aborto é orientar e dar assistência à saúde da mulher.”

Uma pesquisa conduzida pela Organização Mundial da Saúde, em 2007, mostra que nos países onde o aborto é permitido por lei o número de procedimentos é menor. Em países da Europa Ocidental a incidência é de 12 abortos por mil mulheres. Na América Latina, 31 por mil mulheres.“O farisaísmo cultural e religioso no Brasil acaba produzindo a humilhação da mulher de baixa renda. É deprimente. Aborto não é assunto de juiz, padre ou delegado. É uma decisão da mulher”, diz Genoino.

O presidente da Comissão de Direitos Humanos da Câmara, Pompeo de Mattos, sugere uma saída pragmática para tema tão espinhoso. Inspirado em uma sugestão do juiz de Campo Grande, o deputado apresentou um projeto de lei que reduz a pena máxima para quem aborta de três para dois anos. Isso reclassificaria o crime como de baixo potencial ofensivo e dispensaria o inquérito policial. “Em vez de ser investigada, a mulher apenas assinaria um termo circunstanciado de ocorrência. Não é a liberação do aborto, mas melhora a dignidade da mulher”, acredita Mattos. Ele diz que a idéia foi bem recebida e espera que o PL seja votado no primeiro semestre de 2009. Concomitante ao desenrolar da CPI do Aborto.

“Essa proposta é complicadíssima, pois não toca no ponto principal. Esperamos que o aborto efetivamente deixe de ser crime”, insiste Dulce Xavier. Apesar de considerar a abertura da CPI um retrocesso, “autoritário e fundamentalista”, ela a vê como uma oportunidade de disseminar dados importantes sobre a realidade do aborto, como o dossiê sobre mortalidade materna em Salvador e Feira de Santana.

Beatriz Galli, do Ipas, organização parceira na elaboração do dossiê, diz que a intenção é repetir o levantamento (já realizado no Recife e em Petrolina, com constatações semelhantes) em outros estados e, assim, subsidiar o debate no Legislativo. Ela resume as principais conclusões: “A ilegalidade não previne o aborto, os hospitais não estão preparados para tratar humanamente a mulher que aborta e, principalmente, as mortes em decorrência de aborto são totalmente evitáveis”.