Falando de seleção. O que você acha
desse time de europeus, desconhecidos,
com a camisa amarela?
Diminuiu muito o amor pela seleção.
O Juca (Kfouri) fez uma pesquisa sobre
isso. Prefiro ver um jogo do Santos
do que da seleção.
Prefere o Santos campeão brasileiro do
que o Brasil hexacampeão?
Aí fica difícil, porque Copa é bom, né?
(Pensativo) Mas acho que sim.
Isso é irreversível ou pode mudar?
Agora tem esses caras voltando, Fred,
Adriano, vários. Isso melhora muito o
futebol. Fica mais fácil suportar o jogo e
escrever depois. Não vejo muito jogo
chato, tento escapar. Uma vez a Globo me
convidou para ser comentarista. Fui, fiz
um Botafogo e São Paulo e não voltei. É
chato demais. Um jogo chato do seu time,
tudo bem, mas dos outros é muito ruim.
Quase não vejo jogos que não quero.
Quando fui repórter (de esporte naFolha,
em 87), cobria o São Paulo, um time ótimo:
Silas, Müller, Bernardo... Mesmo assim,
cobrir o jornalismo esportivo não tem
muita variante. Ganhou, tudo feliz.
Perdeu, tudo triste.
Por que a cobertura é assim?
Melhorou muito. E piorou muito. Hoje
tem menos jornalista amigo de jogador,
que falava bem porque era padrinho do
filho e tal. Tem mais números, às vezes
exagerando, como a própria Folha, mas
os dados têm sua lógica, sua graça. Por
outro lado, se perdeu muito a parte
pessoal. O que eu gosto do futebol são as
gentes. O torcedor é o que há de mais
bacana. Na década de 70 a Placar tinha
perfis espetaculares de jogadores, dava
para saber como esses caras pensavam.
Hoje não tem essa proximidade, o
jogador não é muito mais gente. Não se
sabe direito qual é a do Neymar. Ele vai
na igreja mas grita “Eu sou foda” depois do gol. Tenho que conhecer esse cara,
um popstar de 18 anos. Hoje o jornalista
vai pouco a campo, não tem muito
contato com as torcidas, fica na coletiva
e só. O Washington tem uma livraria.
Então ele não é só um centroavante que p
erde um monte de gols? O jornalismo
esportivo perdeu o personagem, um
certo calor que tinha. Mas melhorou
a investigação. Hoje se descobre alguns
escândalos, antes era zero.
Você se aproxima da política do Santos?
Entrei como sócio agora, há duas semanas.
Veio de falar com leitores do blog e
perceber que eu estava muito omisso. Mas
não entro (na política), não. Me convidam
para assistir com o presidente, na tribuna,
mas não posso ceder. É feio. Ao ceder a
uma puxação de saco, você recebe um jabá
e fica devedor.
Você publicou no blog o dossiê do Odir
Cunha para resgatar os títulos
brasileiros anteriores a 71. Como está
essa batalha?
Estacionou. Entregaram para o Ricardo
Teixeira mas ele está levando em banho-
maria. Não tem lógica existir essa
diferença. O nome não pode ser, porque o
Brasileiro já teve vários nomes. São todos
Brasileiros, né? Na Europa fizeram assim.
Quem ganhou em 1916 se compara a quem
ganhou em 1996.
Por que isso não é revisto?
Por interesse. O Palmeiras vai ganhar
muitos títulos, o Santos também. E a CBF
não quer problema com ninguém. Mas é
muito óbvio que devia. Assim como para os
outros times é muito óbvio que não (risos).
A poucos meses da África do Sul, o que
você acha que teremos em campo?
Vamos ver. É um time sólido, com caras
talentosos.
Igual em 2006.
Mas não era sólido, né?
Isso só se viu depois.
Nos treinamentos já dava para ver. Não
tinha coletivo, titulares contra reservas, os
caras não se conheciam. No primeiro jogo se
viu que estava um lixo. No terceiro, com os
reservas, estava legal. Fred melhor que
Ronaldo, Robinho melhor que Adriano,
Cicinho melhor que Cafu,... Mas o cara não
teve coragem. Deixou os veteranos de
sempre, ficou ruim. Mas essa (Copa) vai ser
boa. A seleção será mais parecida com a do
Parreira, de 94, mas melhorada. É muito
sólida na defesa, mas tem mais talento e é mais ofensiva. Tem Kaká, Robinho, Luís
Fabiano bem à beça...
Neymar tem que ir?
Não sei. Entendo totalmente o Dunga. Ele
leva o que deu certo com ele: Júlio Baptista
em vez de Ronaldinho Gaúcho. Se o Neymar
continuar jogando assim, fica convocável.
Está tão bom quanto o Robinho hoje em dia.
Talvez eu o levasse.
É bom pela tradição de levar um caçula?
É um investimento no cara.O Fenômeno foi
assim em 94, Pelé foi assim em 58.O
Bismarck foi para a Copa também. Alguém
lembra do Bismarck? Não!(risos) Não deu
certo (em 1990). Ele era do Vasco, depois foi
para o Japão e nunca despontou.
2010 também é ano de eleições. Como
você vê esse cenário?
Se pensarmos que temos Dilma, Serra, Ciro
e Marina, é muito melhor do que quando tínhamos Aureliano Chaves, Maluf...
De certa forma, a direita doida dançou.
Infelizmente esquerda utópica também.
Deu uma centralizada que deixou tudo
meio sem graça. Serra ou Dilma não fazem
tanta diferença, até na antipatia (risos).
Talvez eu esteja falando isso porque estou
ficando velho... (pensativo) Podia ser
muito melhor. Quando eu tinha 18 anos
e pichava “Lula” com spray era mais
divertido. Fui bem petista, fiz programas
de televisão para ele, roteiros de graça...
E que tal o desempenho dele?
(Lula) É um cara bacana ainda. Ficou muito no
meio campo. Podia ter sido um tremendo
centroavante e acabou mais ali na
armação, é meio triste. Podia ter feito uns
golaços de bicicleta. Mas deu uns bons
lançamentos, compôs o meio-campo. Não
é terrível. Talvez vote na Marina no
primeiro turno, mas com desconfiança por
ela ser evangélica. Não é um voto alegre.
MAKING OF:
Não foi difícil marcar a entrevista com Torero, bastando coincidir um dia em
que estivesse em São Paulo sem compromissos pela manhã. Santista de nascença
geográfica, ele vive meio lá meio cá. A entrada de visitantes em sua morada paulistana
é anunciada com um gorjear de passarinhos. Fiquei de perguntar se a campainha
é ideia dele mas esqueci. Equipado com apenas o pouco e o necessário, o apê é o
de um homem solteiro e dividido. Durante a conversa, uma outra divisão surgiu diante
de mim. Entre o autor inteligentíssimo e muito tímido e o garoto que faz as piadinhas
mais bobas da sala de aula. Foi divertido. Torero tem seu próprio blog e um outro,
o do Lelê — um sobrinho fictício que surgiu na Copa de 2006 e angariou o dobro
de pageviews que seu tiozão graças à sua curiosidade infantil e, por isso mesmo,
encantadora. A conversa foi rápida, mas posso arriscar que existam muitos outros
meninos dentro deste homem incomodado com seus cabelos brancos.