quarta-feira, 5 de maio de 2010

A carruagem do Rei


(originalmente publicado no Brasil Econômico de 17/04/2010)


Depois de três meses de restauração no melhor spa de carros antigos do Brasil, a oficina do Batistinha, este reluzente Cadillac 1960 está pronto para voltar à ativa. Vai penar nas ruas e brilhar nos shows de Roberto Carlos

texto Phydia de Athayde

Pode-se até dizer que ele é um intruso na terra dos Mustangs. Um intruso de luxo, é verdade, mas ainda assim estamos na terra dos Mustangs. O local é mais conhecido como Batistinha Garage, a melhor oficina de restauração de carros antigos do Brasil. Para se ter ideia, numa segunda-feira qualquer, 1.000 m² de galpões e boa parte das calçadas ao redor, na Barra Funda, em São Paulo, estão ocupados por: umMaverick 75, um Maverick 76 Superluxo, um Landau 82, um Opala Pomodoro 79 e uma Ford F-1 51. Carros bem apessoados a fazer companhia para os verdadeiros donos do pedaço: um Mustang 67, um Mustang Fastback 67, umMustang GT 66, outro 68, outro 75 e outro 95. No meio deles, destoando da melhor forma que se possa destoar, está a caranga do Rei. Ele, o Cadillac 1960 de Roberto Carlos.

A espaçonave escandalosamente vermelha estacionou ao lado da mustangaiada em janeiro deste ano para umareforma, que acaba de terminar. Na próxima terça, dia 20, um dia após o aniversário de 79 anos do seu proprietário, Ele irá pessoalmente até o Salãodo Carro e Acessórios receber, em público e sob aplausos, o Cadillac reformado de volta.

Nada mal para um carro que tem como acessório de fábrica a vocação para ser o centro das atenções. A começar por suas dimensões. Na música O Cadillac, o Rei canta os “quase 6 metros de um vermelho cintilante”. Medidos à trena pelo , são 5,80 metros de comprimento, 2,04 metros de largura, 1,35 metro de altura, desafiadores 17 centímetros de distância do chão e um entre-eixos que é quase um UnoMille: 3,33 metros.

O mestre da cerimônia de entrega deste latifúndio sobre rodas para o dono será ninguém menos que Emerson Fittipaldi. O bicampeão mundial de Fórmula 1 e das 500 Milhas de Indianápolis é um velho amigo doRei. “Vendi esse Cadillac para ele há uns sete anos. É que ele estava de olho no meu outro Cadillac, um 53, mas esse eu não vendo por nada neste mundo”, confessa o campeão, na condição de amante profissional de carros antigos. Uma doença sem cura. Fittipaldi se ofereceu para reformar o Cadillac depois de ter feito o mesmo com outro carro que virou música, o calhambeque de Roberto Carlos (aquele Ford 29 azul), em 2008. Dois anos se passaram e o comichão apareceu denovo. Não tem cura, como se disse.

Fittipaldi entregou o trabalho para a cuidadosa equipe de Fernando Baptista, o Batistinha, que herdou o pai, Seu Baptista amesma doença que acomete o ex-piloto, Roberto Carlos e tantos outros amadores profissionais de carros antigos. Batistinha tem 41 anos e há 6 abriu a oficina. Antes disso, foi piloto de Stock Car, de Speed 1600 e até de Fórmula Uno. Antes, garoto, preferiu reformar uma velha bicicleta a ganhar uma nova. Já estava infectado.

“Ele é um dos melhores, é o melhor restaurador do Brasil, tenho confiança total no trabalho”, derrete-se Fittipaldi.

Não é a primeira vez que a equipe de Batistinha dá um tapa neste Cadillac. A caranga passou por um check-up em2005 e, agora, foi a vez da reforma (que ainda não é uma restauração, ocasião em que todos os parafusinhos são retirados, limpos, restaurados e remontados) para eliminar alguns pontos de corrosão, refazer as partes cromadas estavam enferrujando, repintar,
refazer a parte elétrica e trocar a tapeçaria. O motor de 6.5 litros e 325 cavalos foi apenas revisado e mandou recado: ronca muito bem, obrigado. Mudança mesmo, apenas uma: os bancos de couro branco agora são creme.

Foi preciso comprar frisos e peças de acabamentodo painel, tarefana qual Fittipaldi se empenhou pessoalmente em Miami (EUA), onde reside. Lá é fácil encontrar empresas que recompram maquinário e peças antigas das grandes montadoras para alimentar o mercado de restauração. As rodas do Cadillac continuam originais, mas os pneus serão trocados. Estão para chegar, também dos EUA, pneus radiais (ou seja, com a segurança e a tecnologia disponível hoje em dia) mas com aquela faixa branca indispensável para os carros antigos desse naipe.

A reforma completa da imensidão vermelha foi coordenada por Batistinha, mas só foi possível graças a um pool de especialistas em diversas áreas. Na oficina — a esta altura, melhor dizer ateliê — do Batistinha se fez a cromagem, a revisão elétrica, a mecânica, a funilaria, a pintura, a montagem e o acabamento.

A marca top de tintas automotivas PPG reproduziu, especialmente para o Rei, a cor exata do veículo (que saiu da fábrica azul, mas ainda nos EUA fora pintado de vermelho), usando o melhor da tecnologia em termos de resistência e brilho para reviver o que demelhor havia em 1960. Todo este trabalho levaria seis meses para ficar pronto,mas Batistinha topou fazer em três e pouco. “É o tipode coisa que a gente aceita porque gosta do desafio, depois tem de correr atrás”, ri. Faltam apenas cinco dias para entregar a máquina. “Está quase tudo pronto. Só falta ir para a rua dar uma voltinha. É quando, geralmente, a gente descobre um monte de defeitinhos mínimos”, solta outro riso, dessa vez algo aflito.

Durante os cerca de 100 dias de trabalho, tocaram neste Cadillac dois funileiros, um pintor, dois tapeceiros, dois eletricistas e dois mecânicos — sendo estes últimos Jerry e Jeferson. Jerry é na verdade Jakson Pereira de Sousa, de 47 anos, e “mecânico há 40”. Obviamente outro infectado. Ele olha a caranga reluzente sem nenhuma cerimônia e garante: “Fiz tudo nesse carro”. A seu lado, Jeferson Rabelo Pires, de 30 anos, outro mal acostumado com os Mustangs e Mavericks da vida, disfarça: “Para mim, são todos iguais”.

Não são não. Tudo bem que Batistinha pode, e curte, transformar umcarro inteirinho ao gosto do freguês. Mas quando se trata de umareforma deste porte, detalhes são mesmo “coisas muito grandes pra esquecer”. O Rei concordaria. Batistinha sabia alguns de cor, como que a parte de baixo do capô é em preto fosco. Mas precisou da ajuda infalível do seu pai, o Baptistão. “Liguei para ele para saber se os frisos da tampa de válvula eram brancos ou azuis.” São azuis. E isso não é um detalhe. É doença mesmo. Das boas.

Um comentário:

zema ribeiro disse...

uma pena o brasil econômico não circular em são luís. menos mal poder te ler por aqui. abraço!