segunda-feira, 17 de maio de 2010

entrevista com Torero (PARTE 1)

(originalmente publicada no Brasil Econômico de 06/03/10)

"O que eu gosto do futebol são as gentes. O torcedor é o que há de mais bacana"

texto Phydia de Athayde

ABERTURA:

Torero não quer morrer. Ainda adolescente começou a se perguntar de onde viemos e para onde íamos, até que concluiu ser para lugar nenhum, então o negócio é ficar por aqui. Nascido em Santos, e portanto santista, foi para a capital paulista estudar jornalismo e letras na USP, depois mestrado em cinema, que não concluiu. Em um de seus primeiros empregos, como revisor da revista Química e Derivados, encontrou no colega Marcus Aurelius Pimenta o parceiro ideal para uma série de criações literárias. Juntos, publicaram 8 livros, entre eles Os Vermes, Futebol é Bom Para Cachorro, Santos—um Time dos Céus e o infantil Naná Descobre o Céu.Em1995, Torero publicou, sozinho, o premiado O Chalaça, mas no íntimo prefere o segundo, Terra Papagalli (1997), e o ainda inédito O Evangelho de Barrabás, ambos em parceria com Pimenta.

Não querendo morrer, também não quer filhos. Foi casado três vezes e, sozinho há um ano, esconde o jogo com tiradas engraçadas até dizer que está muito bem. Fazer rir é o jeito dele. Além de livros, escreve roteiros para a TV e para o cinema. Foi ele quem costurou a história de Pequeno Dicionário Amoroso (1997),“um filme superotimista: os casais não, mas o amor sobrevive”. É dele (direção e roteiro) o curta Amor!, mais sarcástico que otimista. Como diretor de cinema, voltou a desconstruir o objeto no longa Como Fazer um Filme de Amor (2004).

Não querendo filhos, tratou de inventar um. Na verdade, um sobrinho fictício de nome Lelê. O garoto alimentava um blog durante a Copa da Alemanha que fez mais sucesso do que o seu próprio, ambos no UOL. Virou personagem de livros infantis (um deles vendeu mais de 2 milhões de exemplares) e, agora, Torero pensa em matá-lo. “Sempre quero matar meus personagens”, banca o roteirista assassino, antes de explicar ter esgotado os temas da infância que alimentavam as histórias de Lelê e que, afinal, era muito tempo fazendo a mesma coisa.

Não querendo entediar-se, acaba de encerrar 12 anos como cronista de futebol na Folha de S.Paulo. No jornal, retratou sempre o lado humano da história: o torcedor, o cabeça-de-bagre, o jogador da terceira divisão... As gentes do futebol, sua grande paixão — sem contar o Santos, para o qual escreveu belíssimas homenagens. “Na minha vida escrevo todos esses livros, aí coloco um post com a palavra Corinthians, dobra o número de acessos e vem alguém me falar: ‘Pô, você devia escrever um livro!’”, reclama Torero que, mesmo não querendo, é boleiro.

ENTREVISTA:

Percebe-se que você se orgulha mais de ser escritor do que cronista de futebol, é isso?

Não exatamente, mas sei que o texto de livro é melhor. Neste novo, O Evangelho

de Barrabás, fiz em dupla com o Marcus Aurelius Pimenta. Escrevemos 16 vezes,

então sei que está pronto. De escritura, levamos 3 anos e, de pesquisa, mais tempo

antes. Tudo bem que na crônica de futebol estou na minha posição, mas no livro

é melhor, gasto tempo, refaço...

Você é também roteirista de TV, escreve peças de teatro. A permanência do livro faz dele uma arte diferente?

Sim. Por isso que quando faço TV também acho triste, teatro acho triste. “Pô, acabou?

Assim? Ninguém mais vai ver?” É o que me fez juntar as crônicas do jornal e fazer

um livro (caso de Os Cabeças-de-Bagre Também Merecem o Paraíso), para ficar

uma alguma coisinha. Porque é vento, né?

E o cinema?

Cinema, menos. Como diretor, fiz um longa (Como Fazer um Filme de Amor,

de 2004), alguns curtas e um médio... Aí fica mais tempo, dá mais gosto.

E que tal dirigir um longa?

Dá muito cabelo branco (risos). Sem dinheiro, é muito lento. E nunca fica como

se quer, o que é uma tristeza. Não fica porque é muito coletivo e custa caro. O

meu filme, entre filmar, finalizar e lançar custou R$ 1 milhão, o que é pouco se fosse

só para filmar. Aí tem que fazer muito rápido, usar mais plano sequência do que

várias câmeras juntas. Não fica tão bom. Se quero um elefante amarelo na cena, não

dá, só consigo um poodle amarelo. No livro não: nesse próximo tem um elefante

amarelo. Há uma cena com 3 mil pessoas. Aí é fácil, muito bom. Acho que boto cenas

grandes nos romances por causa disso.

Você pretende voltar a dirigir?

Às vezes penso em fazer um filme com formato esquisito. Não domino a técnica

tradicional, não aprendi a fazer plano-contraplano direito. Um projetinho que

eu gostaria de fazer é de uma TV mudando de canal em que todos falam de um

assassinato e a história é montada pelo zap. Mas não penso muito (em dirigir).

Não vou. É o mais provável.

E a sua coluna na Folha, por que parou?

Ah, 12 anos fazendo a mesma coisa, no mesmo lugar, sobre o mesmo assunto.

Cansa. Acho que é a crise dos 40... e 6! (risos) Uma crise tardia. Mas, também,

porque eu tinha que ter duas ideias diferentes, uma para a coluna e outra para

o UOL (no Blog do Torero). Mas ficou tudo bem com eles (o jornal). Antes, o emprego

em que eu tinha ficado mais tempo foram 8 meses. No JT eu fiquei 3 anos, mas fazia

uma coluna de qualquer assunto. Na Placar, não era fixo. Na Folha cheguei a parar, um ano, tinha enchido o saco, depois voltei. Mas ter uma coisa fixa me organiza. Ficar livre demais desorganiza

o tempo, tenho que ter umas obrigações.

Você acorda cedo naturalmente?

Às seis e meia, sem despertador. Trabalho de manhã. Às vezes, para separar um texto do outro, faço alguma coisa física como lavar louça. Às 11h começo a ficar muito burro, não sai mais

nada bom, então vou correr (na praia, quando está em Santos). Corro 10 km em 50 minutos, uma coisa decente. Depois do almoço, enrolo um pouco, jogo Playstation (Torero é viciado em Winning Eleven, de futebol, único jogo que usa e no qual disputou 4.800 partidas em

4 anos, com um Arsenal fictício). Lá pelas 15h volto, às 18h vou nadar. Fui campeão

do torneio de maratonas aquáticas (2 km) na minha categoria, a 45+. Esse ano vou

ficar em quarto lugar porque três garotos de 45 anos acabaram de entrar e são muito bons (risos)...

Você mora sozinho?

Aqui (em São Paulo) e lá (em Santos),meio a meio. Me separei há um ano. Tem dia

que é triste. Mas superei, tudo bem.

Como é a sua vida amorosa?

Tive alguns casamentos, três. Todos bons, muito bacanas.

Tem filhos?

Só a minha sobrinha Catarina (de 1,5 ano).

Quer?

É meio tarde. Assim, assim... Às vezes acho que é uma ideia boa, mas é tanto trabalho!

Minha vida está bem estabelecida. Dá uma certa preguiça.

Quando você pensa em legado, filho não é algo que permanece quando você não

estiver mais aqui?

Mas tem os livros, né? Legado é algo em que penso mesmo. Porque sou bem ateu.

Acredito que não tem nada depois daqui: morreu, acabou. Então a morte é

um tema, é o tema e aparece bem nesse novo livro. No fundo, tudo que fazemos

é para escapar da morte ou da ideia dela: ter filhos, acreditar em alguma coisa...

Me enganei por um bom tempo pensando que seria imortal por causa

dos livros, mas é totalmente

insatisfatório, porque eu preferia não

morrer mesmo. Filho é um pouco isso,

porque alguma coisa fica, os olhos,

o nariz (diz, não muito convencido).

Talvez por isso eu tenha tanta agonia

com jornal, cinema e TV.

Voltando ao seu livro, por que

um ateu quis escrever o Evangelho

de Barrabás?

Todo ateu pensou muito sobre religião.

Tanto que desistiu dela. Além disso, talvez

por culpa do jornalismo, não consigo tirar

uma história do nada. Sempre tenho

que partir de alguma coisa já existente:

o Chalaça é um personagem real, o Terra

Papagalli é sobre um conhecido

degredado, o Xadrez, Truco e Outras

Guerras fala sobre a Guerra do Paraguai

etc... Daí, nada mais natural que recorrer

à “maior história de todos os tempos”.

Falando de outra grande história, você

diz que sua lembrança mais antiga de

futebol foi a despedida do Pelé... (Ele

faz cara de que não é bem assim) ...

não foi isso?

A lembrança acaba sendo essa.

Provavelmente não foi, mas o que lembro é

essa despedida. Na Vila, Santos e Ponte

Preta. Uma coisa tristíssima, um monte de

gente chorando quando ele ficou de

joelhos. No primeiro tempo ele pegou a

bola no meio do gramado e ficou de

joelhos, virou para os quatro lados, de

braços abertos.

As pessoas choravam?

É. Lembro de ter perguntado se ele estava

parando de jogar por que era muito ruim,

e meu pai, chorando: “Não, ele é muito

bom, é o melhor do mundo!”. Não

entendia como o melhor do mundo ia

parar. E aquela emoção toda... Mas antes

disso lembro da Copa de 70 pela TV. E

que meu pai me jogou para o teto, quase

bati a cabeça.

Você encontrou Pelé algumas vezes,

não?

Trabalhei no roteiro de Pelé Eterno

(documentário). Falei com ele várias

vezes. O Pelé está tão acostumado a ser

o cara mais famoso do mundo, é tão

natural, que ele não tem essa pompa.

Fiquei nervoso quando vi o (Luis

Fernando) Verissimo pela primeira vez e

o Chico (Buarque). Aí, gaguejei, não sabia

o que falar, fui péssimo. Burro, burro. Da

primeira vez que jantei com o Verissimo

só falei estupidez, sabe? “Arroz bom,

hein?” (risos) Com Pelé não, foi tranquilo.

Como é ser torcedor de um time

como o Santos, que foi ideal e não

existe mais?

Não acho ruim. É bacana ter na sua

história o maior time de todos os

tempos. É bom, sei que não vai voltar

mais, mas a vida é assim. Com 30 anos

eu nadava bem, corria bem, não tinha

cabelo branco. Nunca mais vai voltar,

mas tudo bem. Não é uma decadência, é

só a certeza de uma bela história. É uma

cidade pequena. Não tem uma cidade tão

pequena que tenha um time tão bom. No

mundo. Santos é quatro vezes (2,5 vezes

segundo o IBGE) menor que Campinas,

então tinha que ter um time pior que

a Ponte Preta ou o Guarani. A bagagem

histórica dá isso.

Os meninos de agora te empolgam?

Isso explica um pouco como o Santos

consegue se manter no alto. Os

primeiros Meninos da Vila foram a

geração de 78, depois a de 84, de 95,

e de 2002. Agora tem essa, que ainda não

ganhou nada. É uma saída para um clube

pequeno, que não pode comprar

jogadores, não tem tanta renda, não tem

tanta torcida como os três grandes de

São Paulo. O Santos tem um potencial

bacana. Se conseguir se globalizar, virar

o time símbolo do futebol arte... É o time

que fez mais gols no mundo! Isso é uma

coisa linda.

Também, com o Pelé, né?

Não é só ele. Isso é uma covardia. Pelé

chegou num time que era bicampeão

paulista, um timaço. Entrou o melhor cara

do mundo num time que já era excelente.

E hoje? O Neymar é um futuro grande

craque?

Por enquanto, é isso. Mas parece que vai

ser mesmo. Do ano passado para esse, ele

cresceu 5 centímetros e ganhou 3 quilos de

massa muscular. Isso ajuda muito. O

Neymar tem tudo para ser um jogador

sensacional. O Robinho também tinha.

Não ficou tão sensacional quanto poderia

ser, mas aí foi ganhar R$ 1,5 milhão por

mês. Se ficasse no Santos ganhando apenas

R$ 300 mil, R$ 400 mil talvez ele (Robinho) fosse

melhor hoje, mas perderia R$ 1 milhão

por mês. Tem que escolher entre a glória

e o dinheiro. Hoje em dia todo mundo

escolhe o dinheiro.

E essa volta do Robinho para o Santos?

Mostra que também não é tão assim, só

pelo dinheiro. Se fosse só por dinheiro ele

continuaria na Europa. Ele veio para voltar

à seleção, mas também pela emoção. Eu o

entrevistei em 2006 e perguntei do que ele

mais sentia falta do Santos. “Da hora que

eu estava no vestiário, botando a roupa,

e escutava o pessoal gritando meu

nome.”E é verdade, ele se sente amado.

O que se quer, no fundo, é ganhar

dinheiro, se sentir amado. Aqui ele é muito

mais imortal do que no Manchester (City).

Falando em manifestações de amor,

você andou por outras torcidas para

escrever, como foi?

De vez em quando eu vou. Fui muito no

Nordeste, fiz a série C do Brasileiro (em

2008), “Um repórter de 2ª na 3ª”, foi muito

bom. É legal, é gente. Não é muito o clube

de futebol. Sei que não vou analisar futebol

bem. Não sou o Tostão. Então escrevo

sobre o garoto que foi pela primeira vez

no estádio, a velhinha do meu lado

xingando o juiz, a graça é essa.

Qual é a sua percepção dos torcedores

paulistas?

O corintiano é obviamente doido, os caras

mesmo dizem. Tem esse autofolclore

de ser mais apaixonado que todo mundo.

Acreditam nisso e talvez acabem sendo. O

atleticano também: ama o clube acima

de tudo (ele escreveu sobre os mineiros

depois de um jogo no Pacaembu). O são-

paulino é mais variado: tem o cara muito

popular, que poderia ser torcedor do

Corinthians mas está lá apaixonadão, mas

tem muito o culto à vitória, o pessoal que

gosta de vencer. O palmeirense é muito

cri-cri. O santista também. São caras mal

acostumados pela década de 60, que

reclamam muito. A torcida do Santos

é muito rabugenta. Mas agora, não. Está

encantada vendo os garotinhos jogarem...

Vou muito ao campo, é muito bom. A

torcida está feliz, está todo mundo feliz.

O que você acha das mudanças que

vêm acontecendo no futebol? Não poder

vender bebida nem dentro nem perto

do estádio, ter cada vez menos torcida

visitante, ingresso cada vez mais caro...

É triste. Mas isso apareceu por causa de

brigas, então não consigo me definir. Pô,

beber uma cerveja no intervalo, comer um

sanduíche de pernil é bom. Essas coisas

têm justificativas, mas existiriam muitas

alternativas. As organizadas são burras.

Têm tanto poder nas mãos que, se fossem

organizadas entre si, se enchessem o saco

para ter banheiro, comida decente,

fiscalizar as contas dos clubes, pô, iam

revolucionar. Mas elas têm um

pensamento pequeno. Esses caras podiam

ter o poder, mas não rola. É muito triste.

Se tivesse uma CUT de torcida organizada

esses caras iam fazer muita coisa.


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