A Folha de S.Paulo de hoje, bem como a capa do Uol, destacam a notícia de que há mais substâncias tóxicas na fumaça de um cigarro de maconha do que na de um cigarro de tabaco. É importante. Informação que tem de ser divulgada e conhecida.
...Mas não deixa de ser curioso notar como, em geral, não se divulgam notícias neutras ou positivas sobre maconha. Goste-se ou não, elas também existem. E são referendadas pela mesma Ciência e Medicina. É importante. Informação que tem de ser divulgada e conhecida.
Este ano o jornal O Globo publicou uma meia página (em uma edição de sábado, se não me engano) sobre um livrinho, pequeno e esclarecedor, sobre o papel medicinal da droga.
Li o livro e a curiosidade me levou a entrevistar um dos neurocientistas autores de Maconha, cérebro e saúde. Com propriedade, ele desanca mitos como a "morte" de neurônios e a perda memória decorrentes do uso da droga, enquanto reforça a eficácia dela no alívio da dor severa. A entrevista saiu na edição 471 da CartaCapital (de 21/11/07) e reproduzo aqui:
O cérebro e a maconha
O neurocientista Renato Malcher-Lopes desfaz mitos sobre a droga
a Phydia de Athayde
Os atributos medicinais da maconha são velhos conhecidos do homem. Nesta terça-feira, 6 de novembro, um estudo da Universidade da Califórnia indicou que um composto da droga pode ser usado no tratamento da depressão. Há mais de 3 mil anos, um texto sagrado do hinduísmo a descrevia como capaz de aliviar a ansiedade e como fonte de alegria e regozijo. No Tibete e no Nepal, é tradicionalmente utilizada no tratamento de ulcerações, reumatismo e inflamações de ouvido, além de agir como anticonvulsivo e antiespasmódico em casos de epilepsia e tétano. Mas a tradição nada tem a ver com o papel hoje reservado à droga, substância ilegal mais consumida no mundo e alvo da política antidrogas norte-americana, com reflexos mundiais.
Na última década, a descoberta de substâncias produzidas pelo cérebro que agem de forma similar à da maconha (os endocanabinóides) reabriu a discussão sobre os benefícios terapêuticos da droga. Dois cientistas brasileiros acabam de unir conhecimentos e as mais recentes pesquisas sobre o tema para lançar Maconha, cérebro e saúde (Ed. Vieira & Lent, 22 reais). Um dos autores, o neurocientista Sidarta Ribeiro, que descobriu como o sono e os sonhos atuam na organização das memórias, é diretor de pesquisas do Instituto Internacional de Neurociências de Natal Edmond e Lily Safra (IINN-ELS), um dos mais promissores pólos científicos do País. O outro, o neurocientista Renato Malcher-Lopes, apresentou um projeto de pós-doutorado na Escola Politécnica Federal de Lausanne, na Suíça, e, atualmente, trabalha no Centro de Recursos Genéticos e Biotecnologia da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa). Malcher-Lopes participou da descoberta da regulação hormonal dos endocanabinóides e pesquisa a atuação da leptina e outros hormônios no controle do apetite e no equilíbrio fisiológico.
A partir do paralelo entre os endocanabinóides e os canabinóides da maconha, o livro traz uma nova maneira de entender os mecanismos de ação da droga na saúde, na mente e no comportamento. Na entrevista a seguir, Malcher-Lopes explica como a maconha atua no cérebro, destaca os riscos à saúde, defende os benefícios terapêuticos comprovados pela ciência e, principalmente, desfaz mitos.
CartaCapital: Quais lacunas no conhecimento sobre a ação da maconha no cérebro o livro busca preencher?
Renato Malcher-Lopes: Por nossa formação em biologia molecular e em neurobiologia, resolvemos mostrar como processos biológicos de dimensões moleculares se relacionam com experiências mentais e com o comportamento. A grande novidade para o público leigo é a constatação de que o organismo produz substâncias semelhantes aos princípios ativos da maconha, os endocanabinóides, dentro de um sistema de regulação extremamente importante para quase todos os aspectos da fisiologia. Uma conseqüência desse novo conhecimento é a maior compreensão dos mecanismos por trás dos efeitos medicinais da maconha e dos problemas causados pelo uso abusivo.
CC: O livro menciona um estudo holandês, publicado neste ano, que concluiu “não haver perda detectável de tecido nervoso em usuários crônicos de maconha”. Tal informação contradiz o discurso comum de que a droga produz danos irreversíveis ao cérebro. Quem está com a razão?
RML: A preocupação de que a maconha possa danificar o cérebro é legítima. Felizmente, contudo, as evidências indicam que este não é o caso, o que representa uma notícia muito boa, já que muitas pessoas poderão ter seus sofrimentos reduzidos, sobretudo doentes de câncer recebendo quimioterapia e pessoas que sofrem de dores severas para as quais os atuais analgésicos, com exceção da morfina, não são tão eficientes. Nunca houve consenso científico de que a maconha pudesse causar danos cerebrais.
CC: A droga, segundo outra pesquisa mencionada, ajuda a proteger os neurônios durante processos degenerativos como o mal de Parkinson ou Alzheimer. E em indivíduos saudáveis? Os neurônios “morrem” ou são preservados?
RML: Não há nenhuma evidência de que a maconha cause morte de células de qualquer tipo em pessoas saudáveis ou não. Por outro lado, há componentes na maconha que podem proteger os neurônios de processos degenerativos em qualquer pessoa. Mas o uso abusivo pode aumentar o risco de surtos psicóticos em quem tem predisposição à esquizofrenia.
CC: Os Estados Unidos vivem um dilema entre permitir e reprimir a aplicação medicinal da maconha. No Brasil, a hipótese nem sequer é cogitada. Por que o uso terapêutico da droga enfrenta tantas barreiras?
RML: No Brasil, o maior entrave são as leis e o estigma que elas trazem. Os obstáculos ao uso médico da maconha não encontram respaldo nem nos preceitos médicos nem no conhecimento científico. Remédios precisam ser testados clinicamente para averiguação de eficácia e segurança em humanos, e isso já foi feito para várias propriedades terapêuticas da maconha. O fato de a maconha ser mais eficiente como remédio quando inalada sempre foi um inconveniente, já que nenhum médico se sente confortável ao ver o paciente encher os pulmões de fumaça. Mas hoje em dia existem vaporizadores que permitem a inalação dos princípios medicinais da maconha sem a contaminação pela fumaça, poupando os médicos desse dilema.
CC: O livro diz que a maconha atua na formação de memórias, em contradição com o do discurso comum, que associa a droga à perda de memória. Por que isso acontece?
RML: O consumo da maconha afetará de duas formas a memória de trabalho – aquela usada para manter na mente um número de telefone que acabamos de escutar, por exemplo. Durante os efeitos inebriantes da droga, essa memória fica bastante reduzida. Quando os efeitos agudos passam, existe ainda um efeito residual, bem mais fraco, que pode perdurar por várias horas. Se o sujeito fuma maconha o tempo todo, estará sempre sob um ou outro nível de efeito, o que prejudicará o aprendizado de novas coisas, mas não causará o apagamento ou afetará a recapitulação de memórias já consolidadas. Não há, portanto, evidências de efeitos permanentes na memória. Por outro lado, é importante salientar que, além de prejudicar seriamente o aprendizado, o uso de maconha certamente reduzirá a motivação para o estudo dos jovens em idade escolar.
CC: Como o cérebro se refaz da desorganização do processamento de informação provocada pela maconha?
RML: O que parece ocorrer sob o efeito da maconha é um reordenamento no fluxo de informações entre os circuitos neuronais, tornando-o menos rígido. Em tese, esse afrouxamento lógico ajuda a explicar a dificuldade no uso da memória de curto prazo, enquanto permitiria a interconexão mais fluida entre idéias, conceitos e emoções. Os canabinóides da maconha atuam como chaves que abrem essas interconexões de forma mais ampla, intensa e menos seletiva do que a que ocorre naturalmente. Quando o efeito acaba, o cérebro volta ao seu estado normal de funcionamento. Tudo indica que nesse estado normal os endocanabinóides ajam de forma semelhante aos canabinóides exógenos, porém, o fazem de maneira muito mais precisa, atuando em momentos específicos e de forma seletiva em determinados circuitos neuronais. Nós acreditamos que isto ocorra em processos neuronais envolvidos normalmente no reaprendizado e na criatividade.
CC: O que se pode afirmar sobre dependência de maconha?
RML: Ela não causa dependência fisiológica, mas pode causar dependência psicológica. A interrupção abrupta do uso crônico normalmente não causa transtornos fisiológicos, mas, sim, mau humor exacerbado, diminuição do apetite e intensificação dos sonhos. Há relatos raros de ocorrência de náusea, mas, de uma forma geral, os sintomas da abstinência de maconha caracterizam uma dependência psicológica, relacionada aos efeitos nos circuitos cerebrais associados a sensações prazerosas. Embora seja relativamente moderada, essa dependência pode ser agravada em pessoas que apresentem estados depressivos ou transtornos psicóticos. A incidência de dependência em maconha é considerada baixa se comparada às do álcool, do cigarro, da cocaína e da heroína.
CC: Quais os riscos ao cérebro da associação de maconha com outras drogas, tanto lícitas quanto ilícitas?
RML: Ainda não há estudos sobre possíveis danos cerebrais causados pela interação da maconha com outras drogas, mas tais interações certamente afetam outros aspectos da saúde. O uso concomitante de álcool e maconha, por exemplo, fará com que uma droga potencialize o efeito sedativo da outra, o que pode gerar sintomas de depressão. A combinação de maconha com qualquer droga antidepressiva, como a fluoxetina (princípio ativo do Prozac), pode, em casos raros, gerar transtornos psicóticos e deve ser evitada. A interação com drogas estimulantes, como cocaína e café, pode ser prejudicial para pessoas com propensão a problemas cardiovasculares. E o uso de maconha em associação ao cigarro normal pode potencializar os efeitos danosos que a fumaça causa ao pulmão. Por outro lado, a maconha também interage sinergisticamente com outros analgésicos, mas esta é uma interação desejável no tratamento de dores severas.
CC: Qual a sua opinião sobre a legislação brasileira, que pune o traficante e tolera o usuário de maconha?
RML: Tomando como base as informações científicas e considerações éticas, defendemos a regulamentação da pesquisa clínica e do uso médico da maconha, que representa uma forma eficaz e barata de aliviar o sofrimento e melhorar o prognóstico de muitos doentes.
quinta-feira, 20 de dezembro de 2007
olhares sobre a maconha
Postado por Phydia de Athayde às 16:30 12 comentários
quarta-feira, 12 de dezembro de 2007
moradia popular
...O surgimento (rápido) de uma parte da favela Real Parque e a desocupação feita pela polícia, que causou um congestionamento monstro e - muito por isso - foi notícia esta semana são dois lados de uma mesma história. E que costuma ser mal contada. Tem o oportunismo de quem ergue barracos de olho na indenização paga pela prefeitura, tem o problema sério (e real) da falta de moradia no País, tem a truculência da polícia, tem a maneira simplista como a tevê costuma resumir a história... E por aí vai. É complicado entender o problema sem ao menos tentar saber a que mais ele está ligado. Cidade, política, gente, grana, especulação, malandragens lá e cá, boas intenções, más gestões, enfim.
Talvez para ajudar, embora também não seja uma análise completa, tem um texto que eu fiz pra edição de 05/12 da CartaCapital. Fala sobre a falta moradia no país e do que pode ser feito pelo governo federal a respeito (além do que já está sendo feito, pelo menos na parte de organizar o rolo todo...).
por Phydia de Athayde - com a colaboração da Eliane Scardovelli
“Lá não tem favela como aqui, os barracos são feitos de palha de babaçu”, explica Bismarque Roberto de Sousa Miranda, maranhense que vive em Tocantins. Ele coordena o Movimento Nacional de Luta pela Moradia (MNLM) e está em Brasília para a 3ª Conferência Nacional das Cidades. Na bagagem, a constatação de que nem a mais jovem capital brasileira, Palmas (de 1989), escapa de problemas comuns às grandes metrópoles. “A classe trabalhadora mora em cortiços na periferia enquanto a elite mora no centro. O próprio estado criou um bairro para moradia popular, mas fica distante 30 quilômetros”, diz e crava: “A cidade foi planejada para excluir”.
Miranda e outros quase 3 mil participantes da conferência, que aconteceu entre 25 e 29 deste mês, acreditam ser possível transformar a realidade urbana, e que isso só é acontecerá com participação da sociedade.
Na edição anterior da conferência, em 2005, o presidente Lula não compareceu. Desta vez, foi recebido com aplausos na cerimônia de abertura e fez um discurso afinado com as expectativas do público, formado em boa parte por representantes de movimentos sociais.
Lula disse esperar “um dia acordar e não ter mais palafitas no País”. Agradeceu a presença dos representantes de conselhos municipais e destacou que conferências anteriores resultaram em projetos e, depois, em leis. Como exemplo de ação conjunta entre governo e movimentos sociais, o presidente mencionou a aprovação do marco regulatório do saneamento básico.
Lula também se disse favorável ao aproveitamento de prédios públicos vazios para moradia. Estima-se que existam, no Brasil, 6,7 milhões de domicílios vagos, 5 milhões deles localizados em área urbana, e uma parcela ainda não calculada pertencente à União.
Hoje, mais da 80% da população brasileira vive em área urbana. Ou tenta viver, já que milhões não têm onde morar, ou amontoam-se em favelas e similares. A medição mais recente, do IBGE com dados de 2005, indica que faltam 7,9 milhões de moradias no País (tabela ao lado). Outra pesquisa, ainda inédita, do Centro de Estudos da Metrópole, descobriu que há mais de 12,5 milhões de brasileiros – o dobro do apontado pelo IBGE – vivendo em locais precários, carentes socialmente e sem infra-estrutura adequada.
A Conferência Nacional das Cidades é importante porque, além de discutir questões técnicas e legais, é uma iniciativa governamental para fazer surgir um modelo de desenvolvimento urbano que incorpore participação social. A instância criada para isso é o Conselho das Cidades, formado por 86 representantes da sociedade civil organizada e das três esferas de governo.
Quase um terço dos participantes da conferência são ligados ao Fórum Nacional de Reforma Urbana (FNRU), referência no assunto por representar os principais movimentos sociais nacionais, diversas ONGs, entidades profissionais e instituições de pesquisa ligadas ao tema.
Benedito Roberto Barbosa, o Dito, é dirigente nacional da Central de Movimentos Populares (ligada ao FNRU) e está feliz com as conquistas em Brasília, resultado de 3.175 conferências locais realizadas durante o ano. “Agora é o momento de descer para a prática”, diz. “Cria-se uma expectativa muito grande. Mas, entre a decisão política e a efetivação o processo, tudo é muito lento, sem falar dos conflitos entre governos”.
Uma antiga reivindicação foi atendida já na abertura da conferência, com a sanção da Medida Provisória 387 pelo presidente Lula. Entre outros itens, a MP dá acesso para associações comunitárias e cooperativas ao Fundo Nacional de Habitação de Interesse Social (FNHIS). A sanção é um momento histórico para os movimentos sociais, pois partiu deles, nos idos de 1992, o projeto de lei de iniciativa popular que criou o Fundo e também o Sistema Nacional de Habitação de Interesse Social, em 2005.
Do total de 1 bilhão de reais do Fundo, um décimo (100 milhões de reais) será destinado às associações e cooperativas, com critérios como a experiência na produção da moradia e a aprovação do projeto pelo Ministério. Os restantes 900 milhões de reais irão para projetos de estados e municípios, sendo 450 milhões para construção de moradias, 400 milhões para urbanização de assentamentos precários, 20 milhões para assistência técnica e 30 milhões para elaboração de planos habitacionais, de acordo com o Ministério das Cidades.
O Plano de Aceleração do Crescimento (PAC) tem medidas para as áreas de saneamento e habitação e também é visto como uma conquista. Márcio Fortes estima cerca de 150 bilhões de reais a serem liberados nos próximos quatro anos. O governo também lançará o PAC da Mobilidade Urbana, para investimentos em transporte público.
A sanção da MP 387, a destinação de investimentos federais para o desenvolvimento urbano, o compromisso de destinação de imóveis da União para moradia popular e a aprovação da resolução que cria o Programa Nacional de Construção e Moradia são as principais “vitórias” da conferência, de acordo com a secretária-executiva do FNRU, Regina Ferreira. “São grandes conquistas, resultado de um processo longo, iniciado há mais de 20 anos”, diz.
“Conseguimos aprovar as principais diretrizes de construção de um sistema de desenvolvimento urbano. São meios de integrar as políticas setoriais, as três esferas de governo e ainda criar uma instância de controle social das políticas públicas”, explica Regina. “Saímos daqui com condições de apresentar o projeto de lei que vai instituir esse sistema”, diz, e ressalva: “A partir de agora, cobraremos permanentemente para que as resoluções da Conferência tenham efetividade, sejam implementadas”.
Em quase 30 anos de militância, Dito reconhece o momento histórico, mas enxerga um contra-senso: “Conseguimos um arcabouço institucional muito importante, mas vimos uma piora nas condições de vida, principalmente nas periferias. Na prática, ainda não conseguimos melhorar a vida do povo”.
A vila City Jaraguá, no extremo noroeste da capital paulista, é um exemplo de como os movimentos sociais podem atuar na questão da moradia. A história das 180 casas, construídas em esquema de mutirão e auto-gestão, começou em 1999. Foram três anos de reuniões até que o primeiro tijolo fosse colocado, com recursos do Fundo Municipal de Habitação. Elaine Rosa, da União Estadual por Moradia Popular (ligado ao FNRU), coordenou o mutirão e descreve:
“De início, desconfiam, acham que é mais uma enganação. Nós trabalhamos orientando e mediando conflitos. Conforme a construção se materializa, dá para ver a transformação das pessoas. Este é o grande contraponto, a mudança de postura”.
Outro exemplo fica no Brás, bairro paulistano repleto de galpões e indústrias desativadas. A fachada do número 76 da rua Joaquim Carlos parece a de um prédio residencial convencional. Mas não é. Basta reparar na mobília do hall, uma mistura de peças cedidas pelos moradores, e nos avisos colados nas paredes, a convocar para mutirões e rifas. O clima é de uma grande comunidade.
As 92 famílias que ali vivem são do movimento Unificação das Lutas de Cortiço (ULC), que integra a União Nacional por Moradia Popular e o FNRU. O edifício foi conquistado a duras penas, depois de seis anos de negociação. Em 1999, o proprietário vendeu o prédio – inviável por causa da alta inadimplência – para o Programa de Arrendamento Residencial, do governo federal. O imóvel ficou abandonado e degradado. Somente em 2006 saiu o contrato de arrendamento e uma reforma financiada pela Caixa Econômica Federal o transformou em um lugar habitável.
Não existe síndico. Maria Aparecida Pontes, a dona Cida, é da comissão criada para discutir assuntos do condomínio e comemora: “Por meio da auto-gestão, conseguimos reformular o sistema de telefonia e de segurança. Também conscientizamos os moradores para que reutilizem água e poupem energia. As conversas têm surtido efeito”.
A limpeza do prédio também é resultado de esforço coletivo. “Todo final de semana, os moradores se revezam para fazer faxina nos corredores. Realizaremos outro mutirão para limpar a caixa d'água e economizaremos 500 reais”, explica Cida, que é vice-coordenadora do ULC.
Os residentes pagam cerca de 208 reais mensais (valor mínimo), mais o condomínio, 120 reais. Em 15 anos, serão proprietários do imóvel. Os apartamentos têm de 40 a 57 metros quadrados de área e custam de 32 mil reais a 39,8 mil reais, metade do valor de mercado.
Grande parte dos moradores trabalha no centro e tem renda familiar média de 1.200 reais. Há domésticas, recém-formados, cabeleireiros, professores, funcionários públicos. Luís Bezerra Silvério mora com a esposa e duas filhas, e trabalha como segurança. “Morar perto do emprego é uma beleza. Além disso, o dinheiro do aluguel nunca mais volta. Aqui, serei dono do meu canto.” Karl Marx da Silva, que divide o apartamento com a mulher e a filha, cita outra vantagem de morar ali: “Participo das reuniões, faço parte de um conjunto. É muito diferente de quando eu pagava aluguel. Era cada um por si, não havia a noção de coletividade.”
Quer em um edifício residencial, quer em uma conferência nacional, o desafio de transformar idéias em realidade sempre se impõe. Nabil Bonduki, arquiteto e urbanista, ex-vereador paulistano e um dos que participou da concepção que resultou no Ministério das Cidades, avalia positivamente o encontro em Brasília. E enxerga um desafio bem-vindo, e imenso, pela frente: “Vamos ver a real capacidade do Conselho das Cidades de assumir o papel e viabilizar a integração entre as políticas e os ministérios”.
Postado por Phydia de Athayde às 19:24 1 comentários
quinta-feira, 29 de novembro de 2007
uma noite no Morumbi
(esta crônica foi publicada na edição 472 da CartaCapital, de 28/11/2007. O desfecho do jogo Brasil X Uruguai, dia 21, é conhecido. Aqui vai uma visão dos bastidores)
O dia da contramão
Phydia de Athayde
Congestionamento, é claro. Começa no trânsito parado a odisséia de qualquer um que tenha se aventurado ao Morumbi na noite da quarta-feira 21. Até o ônibus que leva a seleção brasileira ao estádio fica preso nas ruas entupidas de carros. Mas por pouco tempo, pois logo a polícia trata de abrir caminho. Pela contramão.
É que a seleção brasileira está prestes a enfrentar o Uruguai, nas Eliminatórias da Copa do Mundo de 2010, e nada pode sair errado. Uma espécie de contramão autorizada parece ser a regra neste primeiro jogo oficial depois de o Brasil ser confirmado como sede da Copa de 2014. E o estádio paulista esforça-se para mostrar que pode, ou poderá, ser um dos palcos da Copa.
Apesar da proibição de ambulantes, pela contramão compra-se cerveja. “Conseguimos duas latinhas por 5 reais”, diz Tatiane Camparin Raso, na porta do estádio. “Compramos escondidinho. No esquema brasileiro”, resume bem. Juliano, o marido, carrega um cartaz para pedir a escalação do goleiro são-paulino, Rogério Ceni, preterido por Dunga. “Mas, fora isso, o técnico está fazendo um bom trabalho”, diz, enquanto termina a cerveja. Dentro do estádio, a bebida é vendida apenas na versão sem álcool.
No tumulto da calçada, três alemães tentam vender um ingresso sobressalente. Em português sofrível, negociam com um cambista por 50 reais o bilhete que custou 80 e será revendido por 100. Um dos alemães, Wolfang, veio ao Morumbi pela primeira vez em 2001 e compara: “Não mudou nada de lá para cá. O estádio é bonito, mas é muito difícil de chegar, não tem metrô, informação, você é maltratado na rua”. Tudo isso pode mudar até 2014? Wolfang gargalha: “Eu espero”.
Do lado de dentro, o esforço para criar a ilusão de compatibilidade com as exigências internacionais produz discrepâncias que, em última análise, se aproximam ainda mais do Brasil real. Desigual. Um lugar onde o privilégio dos escolhidos convive com o infortúnio dos demais. De um lado, camarotes onde portadores de pulseirinhas “vip” entraram no estádio e bebem cerveja e chope (com álcool) de graça. De outro, os que pagaram o menor preço, 30 reais, para desfrutar da pior visão do campo. Não só pelo ângulo, baixo demais, mas pelo azar de terem ficado atrás da ambulância, que encobre a visão do gol.
“Ti-ra a am-bu-lân-cia! Ti-ra a am-bu-lân-cia”, pedem, em vão, pagantes como Chicão. “Não tenho condições de pagar pela arquibancada. Sabia que aqui era ruim, mas quis vir mesmo assim”, diz. Ao seu lado, o parceiro Arnan não esconde a decepção. “Não sabia que ia ter essa ambulância aqui, nem todos esses policiais, assim não vai dar pra invadir o campo”, lamenta o torcedor, que não disfarça ser um típico geraldino.
De repente, a turma da ambulância começa a ganhar bandeirinhas plásticas do Brasil, arremessadas por promoters do camarote. O pessoal gosta, levanta os braços, pede mais. Até que do meio da multidão vem um pedido que é também um desabafo: “Então joga uma cerveja, pô!”
Espremido entre os vips e a turma da ambulância há um diminuto espaço reservado à mídia impressa e aos sites. Não está sinalizado, e só a muito custo se chega ao local, batizado de “curralinho” pelos presentes. Longe de banheiros e sem bebedouros nem copos d’água por perto, é um canto improvisado com mesas de compensado e fios por todos os lados. Três radialistas uruguaios querem saber onde estão: “Buscamos o setor de imprensa e não o encontramos”. Ao serem informados que era ali, não disfarçam o assombro. “O jogo já vai começar, vamos ficar por aqui mesmo”, resigna-se Rodolfo Folle, da Radio Emissora Ciudad.
A poucos minutos do início da partida, apesar de lotado – e da arrecadação recorde no futebol brasileiro, de mais de 4,3 milhões de reais – o Morumbi não está em polvorosa. A torcida não canta, vai pouco além do fraco “Bra-sil, Bra-sil”.
Começa o jogo e o time brasileiro não faz por merecer mais que isso. O embolado nacional fica à espera de algum lance genial. É isso ou nada. E o gol uruguaio sai aos 8 minutos. Quando a seleção tenta seus ataques, o estádio acompanha numa histeria crescente, que dura apenas o tempo de o time perder novamente a bola.
Nos bastidores, outra contramão. Se um repórter precisa locomover-se dentro do estádio, é obrigado a sair e voltar por outro portão, já que os camarotes impedem a passagem pelo anel inferior. Depois de uma travessia por estacionamentos, bloqueios, escadas e túneis, alcançam-se as cadeiras cativas dos são-paulinos. Em meio a senhores de cabeça branca, três policiais militares, supostamente escalados para trabalhar, não fazem mais que assistir à partida. Na contramão de suas atribuições, e bem quietinhos.
“Senta aí, ô geraldino!”, escuta um desavisado que levantou. Em campo, o time brasileiro segue desorganizado. O Uruguai merece outro gol. Dunga é xingado, com aquele coro que ruboriza locutores como Galvão Bueno. Em seguida, os são-paulinos clamam por seu treinador: “É, Mu-ri-cy!” Os uruguaios fazem o goleiro Julio César trabalhar muito, até que Luís Fabiano marca para o Brasil. Fim do primeiro tempo. Retorna o coro que sugere a Dunga um passeio periclitante.
Se a arquibancada está chocha, os camarotes fervem. Vips correm para bancadas com cachorro-quente, sanduíche de carne louca, chafariz de chocolate derretido, massas, refrigerantes, cerveja, chope e caipirinha. O DJ toca axé music e um trio de dançarinas anima principalmente os homens. Entre eles, um enorme efetivo de policiais civis. De uniforme preto, coletes e símbolos do Garra e Deic, apesar da cara de Capitão Nascimento, não sabem se comem hot-dog, chupam picolé, tomam guaraná ou se fotografam as garotas com o celular.
Ainda há o segundo tempo. O time brasileiro segue mal, mas é premiado por outro gol de Luís Fabiano, que, na contramão, se torna o herói.
Antes do apagar das luzes, um show à parte na “zona mista”, local onde repórteres, fotógrafos e cinegrafistas aguardam a saída dos jogadores em jogos oficiais da Fifa. Novos curralinhos, agora estrategicamente colocados no estacionamento dos ônibus. Jornalistas disputam espaço com delegados, diretores, amigos-do-amigo e com garotas como Camila Borges e Elisa Samudio.
De salto fino, jeans e blusinha justíssima, elas chamam pelo nome todos os jogadores e os atraem para a beira do cercadinho. “A gente é amiga do Kia”, explicam a quem perguntar. Elisa, a morena, pede a um repórter: “Vai lá dentro e diz que tem duas mina gata aqui fora”. Kia é aquele, ex-Corinthians, ligado à máfia russa.
O frenesi é interrompido quando o ônibus da delegação uruguaia irrompe em plena “zona mista” e bloqueia a visão da saída do vestiário. Na manobra, o teto do veículo escora e quase rompe uma tubulação do teto do estádio. Era melhor ter entrado na contramão.
Postado por Phydia de Athayde às 21:04 11 comentários
sexta-feira, 23 de novembro de 2007
ONG ou não-ONG?
(publiquei essa entrevista como parte de uma reportagem maior sobre a CPI das ONGs. Saiu na edição 470 da CartaCapital, de 14/11/2007. Acho legal reproduzir porque dá uma esclarecida importante no que é, ou deveria ser, ONG e as diferencia das "fábricas de receber dinheiro público", que se escondem sob o mesmo rótulo)
Universo caudaloso
Para a Abong, uma ONG deve ter compromisso com a luta por direitos
Apesar do nome, Associação Brasileira das Organizações não Governamentais (Abong) tem 270 integrantes e representa menos de 1% das mais de 276 mil ONGs do País. Isso se dá porque a associação usa critérios conceituais para aceitar filiadas. “Para nós, ONG é uma entidade envolvida na luta por direitos”, delineia Tatiana Dahmer, uma das diretoras-executivas da associação. Na entrevista a seguir, ela esclarece as diferenças entre entidades que recebem dinheiro público, fala de conceitos e nuances Terceiro Setor.
(a Phydia de Athayde)
CartaCapital: Por que tanta confusão em torno do que é uma ONG?
Tatiana Dahmer: Há um desconhecimento generalizado. ONG é, na verdade, um termo político. Dentro do nicho das entidades sem fins lucrativos podem existir fundações, associações e associações religiosas. Uma tentativa de definição resultou nas Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIPs), que diferem das ONGs por permitir a remuneração de diretores. Mas toda a legislação a respeito é antiga e contraditória, enquanto há diversos projetos de leis não votados.
CC: A situação atual, de repasses milionários sem controle, é fruto do crescimento do Terceiro Setor. Como isso se deu?
TD: Todo o debate sobre Terceiro Setor vem de um viés liberal norte-americano, que parte do princípio de estado mínimo. A Abong surgiu em 1990 para construir a identidade das ONG. Na nossa concepção, ONG não é caridade, não é marketing social, não tem que fazer o papel do estado. Defendemos, por exemplo, que o Instituto Nacional do Câncer tenha condições de cuidar de crianças, sem depender da Fundação Ronald McDonalds. Para a Abong, ONGs são associações civis envolvidas na luta por direitos.
CC: O que origina o descontrole de verbas públicas?
TD: Há a questão da falta de identidade das ONGs, e há o problema concreto do mau uso. Existe muita má-fé. Este é um universo caudaloso, e por isso não se pode generalizar. Imagine que há pelo menos 9 formas de repasse de dinheiro para a sociedade, e todas podem ser burladas.
CC: Como deve ser a relação do estado com as ONGs?
TD: ONG não tem que executar política pública. Se o estado tem problemas, pode usar uma ONG como modelo de política pública, e não simplesmente se eximir da responsabilidade e passá-la para a ONG. A Abong defende que os conselhos de políticas públicas funcionem. Há um debate importante sobre modelo de desenvolvimento que deve ser feito. A matriz do problema é não se discutir a distribuição de recursos públicos.
CC: O que esperar da CPI das ONGs?
TD: As denúncias têm de ser apuradas. Mas é preciso diferenciar má-fé de irregularidade por conta do excesso de burocratização e de particularidades regionais, como, por exemplo, o fato de um barqueiro na floresta não tem CNPJ. Hoje somente ONGs com ampla estrutura contábil alcançam os recursos públicos. É importante que se construa uma regulação que trate organizações de tipos e portes diferentes. E é fundamental não criminalizar as ONGs. A regulação tem de ser sobre o dinheiro público, e não sobre o direito constitucional da sociedade civil se organizar.
Postado por Phydia de Athayde às 15:44 0 comentários
Entre a fé e o mé
(mais uma Brasiliana. Esta, da edição 428 da CartaCapital, de janeiro deste ano. Também poderia se chamar "Entre a birita e a bênção"...)
Entre a fé e o mé
por Phydia de Athayde
Um boteco, uma igreja, um boteco, uma igreja. Um boteco, umas casinhas amontoadas, uma igreja. A disposição de estabelecimentos nas ruas estreitas, de cacos de asfalto e terra, da periferia de São Paulo, assim pode ser resumida.
Doses alternadas de pinga e de encontros religiosos são oferecidas facilmente em qualquer fim de tarde da zona sul da cidade. A poucos metros da Linha Lilás do Metrô (curiosamente a única sem ligação com nenhuma das demais) ficam o Jardim São Roque e o Parque Arariba, bairros que se misturam e se parecem.
Uma filial da Igreja Internacional da Graça de Deus divide parede com um boteco, sem nome, como todos por ali. Na igreja, é dia de “aconselhamento para a vida sentimental”. No boteco, uma voluptuosa mulher de minishort, feita de papelão em tamanho real, convida o passante a tomar uma cerveja.
Lindaura Ferreira Alves, de 50 anos, está ao lado da igreja. Duas Bíblias em punho, ela freqüenta a Boas Novas da Salvação, que também fica por perto. Lindaura passou a tarde no Jardim São Luiz, bairro próximo, em campanha. “Campanha é orar pelos necessitados, tirar a palavra, louvar”, explica. Joana Helena Santiago, de 44 anos, é sua “irmã no Cristo Jesus”, ou seja, é sua amiga. Bíblia em punho, fala de igrejas que freqüentou:
– Antes eu ia na Aprisco de Deus. Mas lá não tinha fiel, ficou fraca e eles se mudaram. Então fui para a Boas Novas da Salvação. Prefiro estar na igreja do que ficar olhando certas coisas do lado de fora. Prefiro louvar a Deus. A gente não vê, mas sente a presença dele.
O lado de fora da igreja significa a rua e, muitas vezes, o boteco. Em quantidade, a oferta de botequins é bem maior do que a de igrejas.
– Tenho um irmão que bebe, bebe muito. A gente ora pra Jesus ter misericórdia dele. O Senhor tirou meu marido do boteco, já tem quatro anos que ele está na presença do Senhor – comemora uma sorridente Joana.
Na rua de cima, a imponente arquitetura da Assembléia de Deus traz lembranças a Carlos Eduardo da Silva, de 17 anos. Por imposição familiar, ele freqüentou a casa por três anos. Hoje, se diz ateu, mas considera Jesus “um cara muito inteligente”:
– Minha irmã é evangélica e me obrigava a vir, ela falou que eu ia ganhar uma camiseta. Não ganhei camiseta, ganhei uma Bíblia. ...Engraçado que só na minha rua tem três igrejas, uma do lado da outra. Por que elas não se juntam pra ajudar as pessoas, pra melhorar a rua? Cada uma só quer tirar os fiéis da outra.
Perto dali, uma mesma parede separa outra igreja de outro boteco. A filial Arariba da Renascer em Cristo está fechada. Pendurado no portão, um apelo aos fiéis: “Doe latinhas e cartuchos de impressoras”. Por ali qualquer um sabe que 60 latinhas de alumínio completam um quilo, e que um quilo é vendido por 3 reais. Curioso pensar que os fundadores da Renascer, acusados de lavagem de dinheiro no Brasil, foram presos nos EUA e tiveram seus bens, que incluem mansões e carros de luxo, bloqueados pela Justiça de Miami.
Do lado de cá da parede, o boteco do Juarez está aberto. Entre os clientes, Francisco Eduardo, copo de cerveja em punho, toma a palavra:
– Passou do tempo dessa igreja sair daqui! É empapuçado esse som que eles fazem. Se você está conversando e começa a bateria, pode até gritar que o outro não vai te ouvir. É guitarra e bateria, lá em cima. Também tem uma mulher que tem um peito pra falar. Ela fala alto pra caramba!
Juarez abriu o boteco há dez anos. Ao lado, onde hoje fica a Renascer, funcionava uma adega distribuidora de bebidas. “Daqui só saía 51”, garante Francisco, morador do bairro há 28 anos. Juarez diz que, com a igreja, ganhou uns poucos clientes, ocasionais:
– Se o marido não é crente, ele vem, larga o pessoal lá tomando refrigerante e passa aqui pra tomar um negócio, escondidinho.
Francisco continua reclamando do barulho “empapuçado” dos cultos. Ele ainda está com a roupa de serviço. Suas mãos de dedos grossos, ressecadas de cal, confirmam. Francisco é pedreiro. Um pedreiro muito fiel:
– Ah, aqui é meu ponto. Todo dia passo aqui. Saio da obra às 5h30 e venho pra cá. Quando fecha, às 9, vou pra casa.
Religiosamente.
Cai a tarde. Pela rua, de banho tomado e cabelos ainda úmidos, caminha Vera Lúcia Mendonça, de 30 anos. Ela não carrega Bíblia. Despede-se do marido – que está de terno e gravata, na frente de uma casinha de alvenaria amontoada, como todas da rua – e segue para a Assembléia de Deus Mundial da Fé. Vera explica que ele vai pregar em uma outra igreja:
– Nessa, eu estou começando a ir agora. Sou obreira da casa do Senhor, missionária, pela misericórdia de Deus. Vou dirigir o culto hoje.
São quase 7h30, hora do culto. Vera cumprimenta o pastor, Javas Araújo, que a espera na porta da igreja. Rapidamente se despede e caminha até o fundo da pequena casa para se preparar. De longe, pode-se ouvi-la orando, em voz alta.
Enquanto isso, o pastor aproveita para exibir, orgulhoso, alguns atrativos da igreja. Do lado do altar há uma caixa de papelão com os dizeres: “Quebra de Maldição”. O pastor explica tratar-se de uma campanha e diz que, ali, os fiéis depositam bilhetes, cartinhas e pedidos de proteção. Ele também aponta para uma armação de metal, com quase 2 metros de altura, que suporta um pano branco. É a “Portas Abertas”:
– Essa é outra campanha. A porta fica no meio da igreja e no final do culto os fiéis passam por ela, recebem a unção, saem abençoados.
Não muito distante dali, outro culto está acontecendo. Em volta da mesa de bilhar, “Bizinho”, “Wandipe”, “Lãozinho” e “Coxinha” cumprem o ritual diário de tomar cerveja e disputar partidas. Sempre no mesmo boteco, sempre na mesma hora. Ivanildo de Oliveira e Silva, de 26 anos, é quem cuida do estabelecimento, que, à sua maneira, não deixa de ser um templo. Ivanildo é pernambucano. Veio para São Paulo aos 18 anos, depois que tomou dois tiros e ficou paraplégico, para fazer reabilitação na Associação de Assistência à Criança Deficiente (AACD):
– Arrumei minha vida, voltei a estudar, foi bom demais. Agora gosto de cuidar do bar porque faço amizade, é uma psicologia pra mim, me distraio um pouco e esqueço dos problemas.
Ivanildo faz questão de mencionar que namora, há quatro meses, com Roselene. Convidado a falar de sua fé, diz que deixou de ser católico quando ficou paraplégico. Rindo de si mesmo, avalia:
– Agora eu sou um crente chato. Não saio pregando, mas leio muito a Bíblia. Tenho uma aqui comigo, leio quando o bar está vazio. Mas sou aquele crente meio xarope, que bebe e fuma, né?
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terça-feira, 13 de novembro de 2007
Minutos de sabedoria
(publiquei esse texto na edição 439 da CartaCapital, de 11/04/07. ...É sobre uma dessas pessoas que dá gosto conhecer. Que nos fazem repensar coisas básicas da vida. Como o tempo)
Minutos de sabedoria
por Phydia de Athayde
16h35. De fora, não se diz o que é. A porta espremida entre o 2.892 e o 2.890 da rua Augusta, cercada por samambaias, jibóias e orquídeas, faz pensar em floricultura. Um passo à frente e as plantas cedem espaço a uma variedade de relógios pregados na parede esquerda. Clássicos, modernos, kitsch, todos meio empoeirados. Também não é uma loja. Outro passo e, ao fundo, um senhor sentado em frente a uma mesa de ourives tirará a lupa de encaixe do olho direito e erguerá o rosto para ver quem chega. Lin Chun Long, de 54 anos, o relojoeiro mais tradicional do bairro.
16h43. Além dele, dois senhores, uma senhora e um cachorro. Pierre, o jack russell terrier, fuça os vasos de plantas. O dono, o tarólogo e terapeuta energético Teruo Yamada, 42 anos, acaba de trazer um café para o senhor Lin. “Carioca e sem açúcar, do jeito que ele gosta.” Teruo conhece Lin há mais de uma década, quando sua loja ficava na Galeria Ouro Fino, mais acima na mesma rua. “Somos amigos, é um encontro de almas”, orgulha-se. “Ele resolve tudo. Hoje eu vim para acertar meus relógios digitais.” Todos os dias, o dia todo, as duas cadeiras e os dois banquinhos ao lado da mesa estão ocupados por clientes. Muitos, como Teruo, tornaram-se amigos. Passam para conversar, dar um “oi”, oferecer um café ou uma água. E até trazer relógios.
16h54. Maria Sena, copeira da joalheria H.Stern, está de saída. Ela leva de volta o relógio de uma cliente e ganha um beijo de Lin. Ele trata a todos pelo nome, que sabe de cor. Centenas. Quando saiu de Taiwan aos 25 anos, falava apenas mandarim.
17h11. Uma senhora elegante, óculos de lentes azul-claras, acaba de entrar. Dona Fany anuncia o que trouxe, uma pulseira-relógio e “aquele ancião”, o Seiko que usa há duas décadas. Enquanto Lin habilmente troca as baterias, eles mantêm um diálogo tranqüilo, de velhos amigos:
– Tudo bem com a senhora?
– Graças a Deus, por enquanto estamos conseguindo andar.
– A gente precisa de tão pouquinho...
– ...para ser feliz.
– É isso. Quanto mais simples, melhor. ...Que horas o alarme? Seis?
– Seis e meia.
17h21. Relógio acertado. Doze reais. Antes de partir, dona Fany abre um sorriso ao falar do amigo: “Ele vai viver uns 300 anos, é a pessoa mais tranqüila que conheço”. Pouco depois, o próprio dá um exemplo de como ser zen. Lin aponta a entrada da loja, sem nenhuma placa indicativa, e explica, com sotaque que 28 anos de Brasil não tiraram:
– Fiz de propósito. Essa fachada é antiestresse. Esse é o volume que dou conta, só dos amigos. Senão, não dá conta.
17h44. Mal termina a frase, atende o telefone: “Hai!” Enquanto conversa com uma das filhas, em mandarim, arruma o troco para outra cliente. Além de uma nota de dez, devolve um real em moedas cuidadosamente acomodadas em um minúsculo saquinho plástico.
17h46. Lin sabe a localização exata de todos os itens que superlotam a pequena mesa de trabalho. “Quem magoar o Lin vai se ver comigo”, diz um bilhete colado à luminária. Enquanto conversa, não precisa de mais de cinco segundos para achar uma correia, uma bateria, um pino. Nunca perde de vista quem entra ou sai da loja. Um rapaz o cumprimenta: “Beleza?”, “Pura”, ele responde. Além de tratar a todos pelo nome, sempre sabe o que cada um veio buscar.
18h01. Em outro raro intervalo, Lin retoma a conversa. Aos 22 anos, depois de servir no exército, decidiu deixar Taiwan para “aventurar-se no mundo”. Ao comunicar ao pai a decisão, ouviu a frase que determinaria seu futuro: “Se você quer partir, tem de aprender uma profissão que caiba numa maleta”.
O jovem vagou pelas ruas de Taiwan até encontrar no ofício de relojoeiro os quesitos “mínima ferramenta, mínimo espaço” de que precisava. Passou três anos como aprendiz. Trabalhou em troca do almoço, até dominar a técnica. Estava pronto. Porém, um mês antes do embarque, por artimanha do destino, apaixonou-se.
“Eu sou maluco, viu?”, avisa antes de prosseguir. De malas prontas, tomou coragem e pediu a mão da esposa, cujo nome brasileiro é Suzana. Noivo, partiu para o mundo. Passou alguns meses no Japão e no Canadá, e chegou a Buenos Aires em 1978. A futura mulher o encontraria seis meses depois. “Só namorei depois do casamento”, conta ele.
Na capital portenha, Lin “hablava mucho” castelhano, mas confessa que sofria por não se comunicar direito. Outro problema era a economia, de inflação galopante, que prejudicava o negócio dele e da irmã. Relógios, ela no balcão, ele na assistência técnica. O ofício de relojoeiro, ao contrário das línguas e das economias, é perene. “Muda só design, técnica é a mesma”, diz.
Sem planos anteriores, veio parar em São Paulo. Um grupo de chineses viajaria ao Brasil e um casal havia desistido. Lin e a esposa ficaram com as vagas. Desembarcaram na Liberdade, tradicional reduto oriental na capital paulista. “Gostei. Achei o povo mais simpático, a colônia era grande, a economia boa. Voltei a Buenos Aires, arrumei tudo e em uma semana estava aqui.”
Lin instalou-se na Liberdade e começou a freqüentar aulas noturnas de português. De dia, dividia com um conterrâneo o espaço na Galeria Ouro Fino, na Augusta. No Brasil nasceram as duas filhas, Juliana e Luana, cuja foto ele exibe na parede da loja. Anos depois, Lin trocou o bairro da Liberdade e foi morar na Saúde, movimento feito por muitos imigrantes orientais. Nunca saiu da rua Augusta.
18h38. Cai a tarde. O movimento, enfim, arrefece. Em um espaço de apenas duas horas, 14 clientes procuraram mister Lin. Outros tantos, da calçada, acenaram para ele. Todos saíram com um sorriso, muitos com um relógio consertado, embora esta não fosse a principal razão da visita.
18h43. Já é hora de fechar? Mais uma surpresa, ou melhor, uma lição:
– Eu não tenho hora para nada. Eu nem uso relógio. Meu trabalho é funcionar relógio. Eu não vivo em função de relógio.
19h41. É noite, a lojinha de Lin está fechada. Sobre a porta de aço, uma imagem pintada. Em um fundo alaranjado, um bonequinho de chapéu chinês faz um “t” com as mãos. Abaixo, lê-se a mensagem de Lin para o mundo: “Dá um tempo”.
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sexta-feira, 9 de novembro de 2007
"diário de um cartola"
Este post é para recomendar a leitura da coluna do Sócrates, também na CartaCapital. Ele se coloca na pele de um certo cartola brasileiro, comentando a carreira e a chegada da Copa ao país. Leia http://www.cartacapital.com.br/edicoes/469/diario-de-um-cartola e me diga...
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terça-feira, 6 de novembro de 2007
Ensaio sobre a cegueira
Essa crônica saiu na CartaCapital de 31 de outubro, edição 468. (Ainda vou aprender a botar o link bonitinho, direto no nome www.cartacapital.com.br, mas tá valendo.) Foi muito, muito legal viver a cegueira. Uma experiência tão rica que me fez desejar que todo mundo passasse por ela. Bão, chega de conversa:
Ensaio sobre a cegueira
por Phydia de Athayde
Elas são lindas. Mais do que isso. São lindas selecionadas. Lindas dentro de um padrão que exige pelo menos 1,72 metro de altura e 14 anos completos. Pesam, em média, 50 quilinhos. Deixaram para trás 79.975 aspirantes a top model e são finalistas do Elite Model Look 2007, o concurso da agência de modelos que revelou Gisele Bündchen. Um dia, Bündchen teve 14 anos e participou das mesmas seletivas que elas passam hoje. Tudo igualzinho, não fosse uma novidade recém-implantada na preparação das finalistas.
A novidade nada tem a ver com a capacidade vital da modelo sair bem em fotos. Ao contrário. Elas, as lindas, estão prestes a ser privadas do sentido que mais usam, e do sentido que devem despertar no mundo para ter sucesso na profissão. A visão.
As 20 meninas e os cinco rapazes finalistas do concurso de modelos saem do hotel na zona sul paulistana, onde estão concentrados, e são levados, de ônibus, até Campinas. Na cidade a 90 quilômetros da capital paulista fica a única sede permanente do museu Diálogo no Escuro da América Latina (há outras cinco na Europa e uma em Israel, além de exposições temporárias pelo mundo). É curioso chamar de museu um local aonde se vai para não ver nada. A idéia é exatamente não enxergar. Percorrer um trajeto por ambientes tão diferentes quanto uma floresta, uma cidade ou um barco, na escuridão total. Nem um pingo de luz.
Dentro do ônibus, a modelo Karine Marschall, gaúcha de Nova Hartz, 14 anos, 1,76 metro e 52 quilos, mata o tempo olhando-se no pequeno espelho que traz na bolsa. Mira os olhos azuis, o nariz perfeito, a boca desenhada. Quer viver disso, da imagem que confere em silêncio e por longos minutos, como perdida na contemplação do belo.
Duas horas depois, saem do ônibus correndo para não estragar a escova na garoa e chegam à entrada do museu, no Galeria Shopping campineiro. Diante delas, apenas uma parede vermelha com uma porta corrediça.
Um grupo de oito é formado e entra numa ante-sala, à meia-luz. Soltando gritinhos de nervoso, as jovens modelos recebem uma bengala de alumínio (igual àquela usada por cegos) e uma recepcionista dá instruções básicas. A pouca luz se esvai completamente. Fica o breu. Somem os rostos harmoniosos, os cabelos sedosos, os sorrisos treinados para agradar. Ficam as vozes estridentes. “Ai, quem está aí?”, “Ai, ai, aiii”, “Gente, cadê?”
Aparece Tiago. “Oi meninas, eu sou o Tiago, vou guiar vocês pelo passeio, tá legal?” Ele pergunta os nomes de cada uma e explica que é preciso falar sempre. No escuro, quem não fala é invisível. Tiago, assim como todos os guias do museu, é deficiente visual. A intimidade com a falta de visão é o melhor guia para quem nunca se sentiu cego. No escuro, a única referência é a voz de Tiago. Os gritinhos demoram a cessar. É difícil aceitar que não há o que ser visto. Ninguém sabe o que está à sua frente.
As meninas caminham rentes a uma parede acarpetada. Logo ouvem o som de passarinhos, de água corrente. Ao poucos, se soltam da parede. O corpo estranha ao pisar um chão irregular. Mais gritinhos. “Calma, venham para cá, seguindo a minha voz”, diz Tiago. Com a segurança só possível a quem tem intimidade com o escuro, ele mostra a floresta. A textura das folhas, a aspereza de um tronco. Encontrar uma árvore no escuro, senti-la, ligar o que se sente à imagem que se tem de uma árvore é enxergá-la como nunca.
Logo as mãos sentem uma parede de pedra por onde escorre água. “O que é isso?”, pergunta Tiago. “Uma cachoeira!”, responde uma voz, encantada. Não é bem uma cachoeira. Enxergar no escuro não é fácil.
Os olhos teimam em ficar abertos. Tiago diz que é melhor fechar, para não dilatar demais a pupila. Não adianta. Algo instintivo os mantém escancarados, sedentos por uma luz que não vem. Lacrimejam, então fecham um pouco.
Saindo da floresta, poucos passos e, de repente, uma buzinada alta e o ronco de um motor aterrorizam, congelam todo o grupo. Parece um monstro, mas é só a cidade. Muro de tijolo, portão de grade, calçada, tudo é novo. O latido de um cachorro assusta e todas gritam. Em seguida, Tiago mostra às meninas que há um degrau: é o desnível entre a calçada e a rua. Elas sentem o degrau com as bengalas. Então, num movimento coordenado e de muita destreza, esperam o som da freada de um carro para, só depois, atravessarem a rua.
O medo do escuro vai dando espaço para outra coisa. Já quase não há gritos e o grupo se movimenta melhor. Experimentarão um passeio de barco com direito a balanço do mar, som de gaivotas e vento no rosto. Também passarão por uma sala onde serão convidadas a deitar no chão e ouvir. Entregar-se à música, vozes e tambores. Saindo dali, o último estágio é um bar. Totalmente escuro, onde se pede suco ou guloseimas num balcão e se paga com moedas ou notas de 1 real.
Depois, todas sentam num sofá redondo e, instigadas por Tiago, contam o que sentiram. Elas adoraram. Querem saber mais sobre a vida do guia. Querem é vê-lo. “A gente quer te conhecer”, pedem. “Mas vocês já me conhecem. Assim como eu conheci vocês, não é mesmo?” “Ahnnn...”
O passeio termina. Por 17 reais (a inteira é 34), passaram 90 minutos no escuro. Parecem 30. Em uma salinha à meia-luz, preparam as pupilas para voltar ao mundo das imagens. Saem encantadas. “Aprendi minha lição”, se apressa em dizer Karine. “A falta de enxergar provoca pânico no começo, mas eu saí com outra visão”, diz.
“E acostumamos”, completa Gabriela Fróes, brasiliense de 14 anos, 1,77 metro e 50 quilos. “Tanto que, no final, a gente estava bem tranqüila”, conclui, e logo passa a falar do guia: “Eu acho que ele é bonito”. “Tanto por fora quanto por dentro”, enfeita Karine. “Se eu imagino alguém, imagino sempre bonito”, acrescenta Siluê Hoffmeister, gaúcha de Novo Hamburgo, 15 anos, 1,74 metro e 49 quilos.
O modelo gaúcho Ricardo Fischer, de 19 anos, 1,90 metro e 83 quilos, fala da experiência: “O barco é muito real, entrei no clima. Eu queria sentir tudo, tocar tudo”.
As reações deliciam o francês radicado no Brasil Bernard Kaplan, responsável pela implantação do Diálogo no Escuro no País. “Você abre os olhos ao fechá-los. Este projeto é um convite para conhecer a beleza invisível”, enaltece.
Todos do grupo passaram pelo museu e agora aproveitam para tirar fotos, posar, brincar. De tanto insistir, as modelos conseguem fazer com que os guias venham para a luz. Tiago é, então, rodeado pelas garotas que conduziu no escuro. Há uma certa intimidade, e também algum estranhamento. Baixinho perto delas, ele não deixa barato: “Eu ia convidar vocês pra comer um Big Mac aí no shopping, mas vocês só comem alface e água, né?” Ele ri, elas riem. No sábado 27, uma das garotas vencerá o concurso de modelos. Todas foram contratadas pela agência e seguirão sendo vistas, fotografadas, admiradas. Poucos, no entanto, captarão uma imagem delas como Tiago.
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segunda-feira, 29 de outubro de 2007
Ao público o que é (e deveria se manter) público
Notícias da pracinha. Daquela pracinha que um dia foi pública, um espaço para todos, e que hoje , por vontade de poucos, está vetada para alguns. Daniel Santini, repórter do site G1, traz uma boa nova para esta segunda-feira:
http://g1.globo.com/Noticias/SaoPaulo/0,,MUL159289-5605,00.html
:)
Postado por Phydia de Athayde às 11:36 1 comentários
sexta-feira, 26 de outubro de 2007
cartolagem.com.br
Semana passada eu acompanhei, bem de perto (do saguão do prédio, vejam só) uma reunião do Clube dos Treze, que vem a ser o grupo dos 20 clubes mais poderosos do futebol brasileiro. Cartolagem da pura, com tudo o que tem direito. A reportagem saiu na CartaCapital 467, de 24 de outubro, e está no site da revista, neste link:
http://www.cartacapital.com.br/edicoes/467/o-clube-dos-cinco
Pra quem conhece e pra quem quer saber um pouquinho de como funciona o mundo dos senhores que tomam conta do futebol, acho que é um bom retrato...
Postado por Phydia de Athayde às 16:19 1 comentários
quinta-feira, 25 de outubro de 2007
Tom Zé impagável
um ostracismo e quase encerrou sua carreira. Em 1990, o americano David Byrne, ao pesquisar world music, descobriu o baiano. Produziu, então, o CD The Best of Tom Zé: Massive Hits e lançou-o nos EUA. Seria o início da retomada artística de Tom Zé, em franca atividade e produção até hoje. No encarte desse CD, torna-se pública a explicação do que está na capa de Todos os Olhos.
Postado por Phydia de Athayde às 16:45 1 comentários
segunda-feira, 22 de outubro de 2007
eita
...tem alguma coisa esquisita nesse blog. por alguma razão, ele não atende a todos os meus comandos para colocar parágrafo e pular linhas (exemplos no post abaixo). Daí que fica uma coisa meio desestruturada, sem eu querer. Eita.
Postado por Phydia de Athayde às 18:24 0 comentários
cães e lobos
Twister, Thunder, Maria, Max e Kika são os clientes do dia. Twister é um boxer que domina o quintal de casa. Quando os donos ousam invadir seu território, pula, baba, empurra, faz o diabo. O pastor de Shetland Thunder é o rei do apartamento. Dá chilique, morde e late quando a dona ousa ir ao banheiro ou tentar sair de casa sem ele. Maria, uma vira-lata, só faz o que quer, morde o bumbum da dona, pula, e ainda ganha mil carinhos.
TWISTER
No quintal do boxer Twister, a aula é com Henrique e Gabriela, irmãos em idade escolar. Uma primeira sessão, mais longa, com a família toda, aconteceu há uma semana. A lição número 1 do dia é entrar no quintal sem olhar nos olhos do cachorro. Em linguagem canina, evitar contato visual imediato significa superioridade. É quase impossível no começo, mas as crianças já conseguem. Twister fica louco, pula e late, como se dissesse: “Como assim, não estão me vendo?”
Na implantação do método, Karin usa petiscos caninos (biscoitos ou “bifinhos”) como ferramenta de persuasão. O cão só ganha se tiver o comportamento correto. Se errar, é ignorado. A alternância entre indiferença e prêmio dá resultado. Sem gritos, sem violência. Twister passa a obedecer. Anda junto, dá a pata, deita... A cada acerto, um biscoito. A cada erro, a indiferença e uma nova chance mais tarde. Twister é malandro, às vezes dá a pata sem ninguém ter pedido. Não ganha petisco.
THUNDER
MARIA
Postado por Phydia de Athayde às 18:07 1 comentários
quinta-feira, 11 de outubro de 2007
antes que eu me esqueça
...eu nem percebi, mas já faz um ano que escrevi um outro texto, também chegando em casa, com uma sensação de urgência parecida à que iniciou este modesto blog (o primeiro post, lá nos arquivos, o mais antigo). Há um ano escrevi um e-mail para os meus amigos com o título de "Antes que eu me esqueça".
Não esqueci. E acho que faz bem colocá-lo aqui, direto de outubro de 2006:
"Agora que já estou em casa, que excepcionalmente dei duas voltas na chave da porta, tomei banho e passei hidratante no rosto, deixa eu contar o que acaba de me acontecer.
Todo dia, eu vou de volto metrô de casa para o trabalho. São quatro quarteirões íngremes, sobe e desce, anda e sobe, chegou. Passo sempre por um condomínio que ocupa todo um quarteirão. Pois bem. Faz menos de um mês que a cerca de grade com trepadeiras que contornava o condomínio foi substituída por um muro, de concreto, mais alto do que era a cerca.
Eu, que via de manhã o parquinho com as babás e crianças e à noite o pessoal jogando futebol na quadra ao lado do parquinho, de repente só vejo um muro. Me senti roubada. Tiraram as crianças, as babás, o futebolzinho, a vida. Só ficou o muro.
No terceiro dia de construção, apareceu uma placa "Arquiteta Fulana de Tal", com um número de telefone. Na hora liguei, do meu celular mesmo, andando mesmo. Perguntei o porquê do muro. Disse que com ele parece que agora eu tenho de passar ao lado de um presídio para chegar no metrô, que a rua ficou mais feia. Ela é simpática, diz que também mora no bairro e que lamenta por essa perda. Aí explica que o muro foi um pedido unânime dos moradores do condomínio, que ela nada pôde fazer contra isso. Parece que um homem "chegou a mostrar a genitália" para as crianças do playground numa manhã. Mesmo o condomínio tendo 36 câmeras e segurança 24 horas ao redor da cerca, essa foi a gota d'água. O clamor pelo muro foi unânime.
Pergunto a ela o que será dessas crianças que vão crescer achando que não existem seres humanos do lado de lá da parede de concreto. Como vai ser se elas só conhecerem a rua quando tiverem 13 anos. A conversa, daí em diante, já não avança. Fica o muro. Ficam os condôminos satisfeitos. Ficam as crianças sem saber que há vida a partir da calçada.
Hoje cedo, na ida para o trabalho, vejo que plantaram pinheirinhos do lado de fora do muro. Quem sabe a arquiteta tentou melhorar a aparência de presídio de seu grande trabalho arquitetônico.
Na volta do trabalho, lá está ele de novo, o muro. São mais de sete. Está escuro, garoa fraquinha. Reparo que acima do muro instalaram lanças de ferro. Agora sim, os condôminos deliraram. Sigo meu caminho para casa quando, meio baixinho, ouço um homem falar, atrás de mim, "Fica calma". Ao me virar, ele avança na minha direção e repete "fica calma", eu não diminuo meu passo e, acho que por instinto, vou para o meio da rua. Ele murmura coisas e essa altura já deu pra ver na mão esquerda dele, meio coberto pelo casaco, o revólver. "Não grita, eu só quero a bolsa". A bolsa? Tá maluco? Minha bolsa tem coisa demais, vale muito pra mim do que pra você, vai fazer o quê com isso? Está errado, eu sei, mas no relance, foi isso que pensei. E gritei "O que você quer? Quer dinheiro? Heeein?" Os dois no meio da rua. Eu ainda na direção de casa, ele na minha direção, sem me alcançar. Eu juro que daria o dinheiro, tinha 28 reais, mas pediria pra ficar com a agenda, os documentos. O celular se ele insistisse, também podia levar, enfim.
Ele "Não grita" e eu "Óóó!", e apontei pra calçada, gritando "Olha aí. O que que você quer?". Passava uma mulher, de iPod, nem aí pra gente. Mas ele viu a mulher e falou alto também "Eu só quero uma ajuda pra passagem. Só uma ajuda. Quero ir pra casa". Até franziu a sobrancelha o filho da puta. Eu "Heeein?" "Quer um passe?" Tudo berrado. Ele estendeu a mão, direita, que na esquerda estava o trabuco. Eu destaquei um passe de metrô, hoje mesmo tinha comprado 20 deles, e dei um pra ele. Bem de longe, pra ele não chegar perto de mim. Imediatamente ele mudou de rumo, em direção ao metrô, meio correndo e falou, berrado, "Obrigado. Deus lhe pague". E eu, já mais perto da mulher e longe dele, "O diabo que te carregue, filho da puta!".
Ah, que raiva. Não deu nem medo. A mulher do iPod, que pelo sotaque devia ser alguma gringa desavisada, quando entendeu o que aconteceu, disse o que tinha pra dizer: "Você não devia ter feito isso".
A conversa acabou. Nesse instante, olhei pro caminho que ainda faltava pra chegar em casa e, pela primeira vez em anos, me deu medo de estar ali. Eu estava bem no meio do quarteirão do condomínio. Murão pros dois lados. A garoa fraca e a escuridão, mais o muro, me pareceram assustadores. Pensei em chamar um taxi, mas ali não tinha como e pior seria ficar parada ou voltar para o lado do metrô. Segui para casa. Tensa, adrenada, puta. Muito puta. Muito puta porque o caminho que eu faço para voltar pra casa agora está uma beleza pra assaltinhos como esse.
Antes, a luz da quadra do condomínio iluminava a calçada. Eu via metade do corpo das pessoas jogando e ouvia os gritos do futebol, a derrapagem dos tênis no chão da quadra. Quando o cara falou "Não grita" e eu respondi gritando, eu estava olhando para o muro. Se o pessoal do futebol tivesse jogando, com certeza iria me ver. Aliás, o cara nunca iria me assaltar ali se aquele quarteirão não tivesse se transformado num pedaço tão sinistro da cidade. Ermo, escuro, de ninguém.
Entrando em casa, liguei para o 190. A musiquinha de espera avisa que há muitas ligações e que é preciso ser direto, em primeiro lugar dizer o local da emergência, depois a ocorrência em si. Pííí. Atende um homem. Eu digo, como quem fala a uma secretária eletrônica, pausado e claro, o que aconteceu, como, onde. "E como ele é?", "Mulato claro, magro, alto, com camisa clara e um casaco escuro. Calça jeans, se não me engano" "Vamos mandar uma patrulha para o local, senhora." Eu só lembro dos olhos dele. Frios. Determinados. Depois assustados. Depois espantosamente pedintes. E lembro da voz da arquiteta. E ainda não decidi se passo a ir de carro até o metrô, se passo a voltar de taxi ou se mudo o caminho, para mais longe, para evitar a minha rua. Eu queria a rua de volta, caramba."
OBS: Depois instalaram aqueles holofotes fortíssimos, que acendem quando alguém passa. Ô, coisa feia aquilo. Credo...
Postado por Phydia de Athayde às 22:47 2 comentários
um mês depois
Depois de um mês, em que estive de férias, volto ao blog. Pois é... relapso esse brogue, né? Eu sei, mas é assim que dá pra ser, por enquanto. O duro é que provavelmente só duas ou três pessoas (ou ninguém) continua entrando num blog que não se atualiza toda hora - e eu faria o mesmo. Aí que ninguém vai ler, enfim, mas não vou ficar chateada com isso.
Se eu for pensar em motivos pra ficar chateada, ligada a este blog está a tristíssima história da pracinha. Da proibição arbitrária do skate num lugar gostoso demais, feliz demais. ...Infelizmente, por enquanto não há boas notícias sobre isso. A única, se é que vale, talvez seja que eu não desisti de tentar reverter isso. Não merrrmo. Mas vamos com calma.
Postado por Phydia de Athayde às 22:36 0 comentários
segunda-feira, 10 de setembro de 2007
um passo à frente...
...e você não está mais no mesmo lugar. Ou está?
Abaixo, reproduzo trechos de uma conversa pelo msn com a Roberta, que é skatista, órfã da ladeira do Alves, e tem acompanhado de perto os passos da subprefeitura. Em um ato que me pareceu mera manobra para tudo continuar na mesma, o subprefeito convocou outra reunião, dessa vez com representantes de associações de skatistas e da associação de moradores do bairro da praça, para discutir as faixar anti-skate. Rolou na terça-feira da semana passada:
roberta diz:
oi phydia!
roberta diz:
bafon...
roberta diz:
chegamos tinha 4 advos da associação
Phy diz:
nossa!
roberta diz:
se revoltaram com a nossa presença, disseram q a reunião teria q ser só para "autoridades"
Phy diz:
hahaha. gostei
roberta diz:
foram embora...se omitiram
Phy diz:
jura????????
Phy diz:
4 advogados? meu deus
roberta diz:
aí o nachle (o subprefeito, Nilton Nachle) chamou um advogado da sub, para redigir uma carta, em nome da gente, propondo o seguinte acordo:
roberta diz:
asfaltar de volta metade da cada faixa, do lado da praça, lado esse oposto a calçada das casas
roberta diz:
e utilizar a ladeira somente aos finais de semana e feriados
roberta diz:
escreveu essa carta, ia mandar pra associação, tentar um acordo - parece q ele ia dar um prazo de 72 horas
Phy diz:
putz
roberta diz:
se eles nao quisessem, a sub ia decidir o q fazer
Phy diz:
...que estranho
roberta diz:
beeem estranho...
Phy diz:
...a associação manda em alguma coisa? (OBS do blog: será que eles compraram a rua? São os donos?)
roberta diz:
mas enfim...nao botei fé nisso...
Phy diz:
isso é que ninguém me respondeu
roberta diz:
pois é
Phy diz:
claro que não vai ter acordo
Phy diz:
e a gente não tinha nenhum advogado, é isso?
roberta diz:
mas a gente tinha "autoridades"
roberta diz:
mas eles nao queriam eu e o pt...
(OBS do blog: não é o PT partido político, é o PT skatista)
Phy diz:
como assim?
roberta diz:
tava o ed scander (diretor da cbsk - confederação brasileira de skate) e o indio (presidente da comissão de downhill)
Phy diz:
sei
roberta diz:
o problema deles era eu e o pt...estavam com medo de represália
roberta diz:
falaram isso pro nachle, antes da reunião, rolou maior barraco deles com uma secretária
roberta diz:
eles disseram q nao foram avisados q teria skatistas na reunião...
roberta diz:
e ela ficava: foi avisado sim, eu mesma avisei
Phy diz:
que horror
Phy diz:
...
roberta diz:
foi bom pra gente eles terem ido embora, se omitiram...
Phy diz:
é, mas enquanto a sub der esse poder pra eles, de "aceitar" ou não o "acordo" - não vai andar nada
roberta diz:
nao...
Phy diz:
putz, meu... não sei o que pensar
Curiosamente, as anunciadas "72 horas" para esta tal nova chance de solução dissoveram-se no feriado de 7 de setembro. E assim vai a coisa, andando para chegar no mesmo lugar. O lugar do medo, da segregação social, da subserviência. Caramba...
Postado por Phydia de Athayde às 13:52 3 comentários
sexta-feira, 24 de agosto de 2007
na Folha dessa sexta
...o colunista da Ilustrada, Thiago Ney, faz um inteligente paralelo entre o tratamento que raves e skate têm recebido em São Paulo. (para quem tem acesso, está em: http://www1.folha.uol.com.br/fsp/ilustrad/fq2408200711.htm)
Estão diminuindo as opções para realizar raves e festas de música eletrônica em São Paulo. E está mais difícil andar de skate nas ruas. Os problemas existem. Para enfrentá-los, o poder público, nos dois casos citados acima, opta pela saída mais fácil (e truculenta): impede-se o lazer, "mantém-se a ordem", escreve Thiago.
No final do artigo, ele menciona este blog: Já a Prefeitura de SP quer banir o skate das ladeiras da cidade. A repórter Phydia de Athayde, da "Carta Capital", revelou que a subprefeitura de Pinheiros construiu faixas de paralelepípedo na ladeira da pça. Horácio Sabino (paralelepípedos impedem a passagem do skate). O motivo: moradores reclamavam de barulho e de uso de drogas. Mais em: blogdaphydia.blogspot.com.
...Em pensar que o problema do Alves, em vez de caminhar para frente, anda de ré. Mas que bom o assunto ir para o jornal. É mais um fachinho de luz no obscurantismo com que a questão vem sendo tratada. É claro que problemas existem. Ingenuidade achar que não existiriam. Mas é estreiteza de raciocínio o poder público se furtar da mediação. Ao segregar, ao proibir, está apenas plantando rancor. Segregação gera violência. Alguém duvida?
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Postado por Phydia de Athayde às 17:59 5 comentários
quarta-feira, 22 de agosto de 2007
é o famoso
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"Quanto mais eu rezo, mais assombração me aparece".
Agora, hoje, não vou conseguir comentar muito. Mas é, mais uma vez, tristíssimo ver a teoria do medo ganhar terreno. http://g1.globo.com/Noticias/SaoPaulo/0,,MUL88472-5605-9396,00.html
Fica pior, muito pior, saber que tem gente da secretaria de Esportes, que deveria ter um mínimo de bom senso e conhecer um mínimo do que é esporte de rua, engolindo e reproduzindo o discurso fácil de quem tem medo de gente, medo de rua, medo de vida. É o tipo de gente que deve proibir o filho pequeno de tentar andar de bicicleta sem rodinha, "é muito perigoso, meu filho, é melhor para você, acredite".
Com essa atitude de visão curta, para não dizer tapada, o tecnocrata da secretaria de esportes mostra ser mais um desses. São muitos, é claro, ele não está sozinho. Deve inclusive achar que está fazendo o melhor. O secretário idem, o subprefeito idem. Tudo se encaixa na mediocridade, na inação, no medo. É triste. Danoso. Lamentável.
Como eu disse, agora não vou conseguir escrever mais. Mas tá difícil.
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Postado por Phydia de Athayde às 12:38 2 comentários
quarta-feira, 15 de agosto de 2007
às vias cabíveis
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(A carta a seguir resume a história – de deu origem a este modesto blog – da morte da pracinha onde eu e muitos outros costumávamos nos divertir. Obviamente, exsitem opiniões contrárias à minha. Embora não concorde totalmente com elas, aceito e entendo. E me esforço para pensar em formas razoáveis de equilíbrio, de co-existência e tolerância. Porque é de combinados e arrumações que a vida é feita. Porque só assim se constrói uma cidade. Uma coisa é clara: segregação gera rancor e violência. E, de violência, ninguém precisa mais)
Caro advogado que eu ainda não conheço,
Meu nome é Phydia de Athayde, sou jornalista, tenho 30 anos, resido e trabalho na cidade de São Paulo. Em meus momentos de lazer, gosto de andar de skate. O esporte tem um forte caráter comunitário, uma vez que pode ser praticado na rua. É verdade que existem modalidades dentro do skate somente possíveis de praticar em pistas especialmente construídas para este fim, mas não é o meu caso. Assim como não é o caso da maioria dos skatistas, que se encantam justamente pelo caráter libertário, social e comunitário do esporte. Há duas modalidades de skate eminentemente praticadas na rua: o “street”, que usa degraus, rampas e calçadas como obstáculos, e o “slalom”, que usa tão somente o declive para a descida.
Há cerca de oito anos, à época das obras para a construção da linha verde do Metrô (estação Vila Madalena), uma das ruas da praça Horácio Sabino, no Jardim das Bandeiras, recebeu asfalto novo e liso para agüentar o tráfego desviado da rua Heitor Penteado. Finda a obra, a praça, com asfalto liso e inclinação perfeita, começou a se tornar um ponto de encontro de skatistas. São Paulo é uma cidade carente de praças e a Horácio Sabino é freqüentada não apenas por moradores do entorno imediato, como das redondezas mais distantes. Há anos é um conhecido “ponto de encontro” de cachorros, a maioria com pedigree.
Para os skatistas, a Praça Horácio Sabino é um verdadeiro oásis. Incontáveis sábados e domingos eu a freqüentei. O clima formado pela convivência entre skatistas, velhos, crianças, cachorros, adultos, bicicletas, bolas, enfim, sempre foi cordial. A praça era pública e todos conviviam em harmonia. Em saudável coexistência, em uma rara e valiosa oportunidade de compartilhamento do espaço público.
Pois bem. Há cerca de três meses, uma medida arbitrária e segregacionista, perpetrada pela subprefeitura de Pinheiros, expulsou, proibiu, aniquilou, exterminou os skatistas da Praça Horácio Sabino. A subprefeitura instalou, no asfalto liso da praça, faixas de paralelepípedos, de lado a lado da rua, com o único propósito prático de impedir a passagem dos skates. Ao todo são seis faixas, instaladas exclusivamente na rua de asfalto liso, a que era usada pelos skatistas. Oficialmente, a subprefeitura diz que as faixas de paralelepípedo são parte de uma “obra viária para contenção de enchentes”.
A instalação arbitrária dos paralelepípedos provocou surpresa e revolta nos usuários da praça – não apenas nos skatistas, mas em todos que valorizavam a diversidade cultural e social do local. Nas últimas semanas de junho, um abaixo assinado recolheu 180 assinaturas repudiando a violência contra o espaço público promovida pela subprefeitura.
Além do abaixo-assinado, reportagens na imprensa e protestos em blogues (como este, especialmente em seu primeiro post, "De sol e tristeza") levaram centenas de cidadãos a mandar e-mails à subprefeitura condenando a atitude.
No dia 03 de julho, o secretário de Esportes do município, Walter Feldman e o subprefeito de Pinheiros, Nilton Nachle, aceitaram receber alguns skatistas para uma conversa. No encontro, o subprefeito admitiu que a “obra viária” é, na verdade, resultado da pressão da Associação de Moradores do Jardim das Bandeiras. A Associação não gosta da presença de skatistas no bairro e pressionou a prefeitura até o ponto em que esta, subserviente, cumpriu o pedido da Associação. É bom mencionar que a ojeriza aos skatistas não é unanimidade entre os associados. Muito menos entre os moradores da praça. Nem mesmo entre aqueles em cuja área em frente costumam (costumavam) passar skates.
Ao fim da reunião, o subprefeito comprometeu-se a levar a reivindicação dos skatistas à Associação, e prometeu encontrar um meio termo. Mesmo atrasado, mediaria o conflito em vez de sucumbir à vontade do lado mais forte. Pois bem: nada foi feito. Ficou o dito pelo não dito. E os paralelepípedos continuam lá. A vivacidade, a multiplicidade de convivências na praça morreu. Por vontade arbitrária e segregacionista de alguns, simplesmente matou-se uma praça.
A partir desse ponto, está claro que a subprefeitura não está disposta a voltar atrás em sua decisão. Assim sendo, preciso de orientação e apoio jurídico para requerer, junto às instâncias cabíveis, a reversão da obra que aviltou o espaço público da Praça Horácio Sabino. Estou certa que há muitos interessados em tomar parte formalmente deste processo. Apenas preciso de orientação detalhada.
Desde já agradeço por um retorno o mais breve possível.
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Postado por Phydia de Athayde às 17:30 1 comentários
quinta-feira, 2 de agosto de 2007
pracinha do skate: ver pra crer
como era: http://www.youtube.com/watch?v=RJiepMdGrRY&NR=1
como está: http://www.youtube.com/watch?v=wCNdfmYdCaA
como vai ficar: ????????????????????????
Postado por Phydia de Athayde às 12:00 3 comentários
terça-feira, 31 de julho de 2007
segunda-feira, 23 de julho de 2007
tem jeito não
Como é que se faz? Como é que se administra uma coisa assim? Tão maior, tão delicada, tão íntima e ao mesmo tempo tão comum? É íntima porque dói no meu coração ter que passar um sábado e domingo como esse último, de sol tão gostoso, sem poder pensar em ir para a pracinha andar de skate. Ter que olhar praquele céu azulão da janela de casa e, uuuui, se esforçar para não lembrar que a praça lisa e livre já não existe mais. E se esforçar muito para não ficar triste tudo de novo.
A cidade, qualquer cidade, é um lugar difícil mesmo de se viver. Mas algumas exageram. São Paulo exagera
demais. São agressivos, desumanos demais, aqueles bancos de praça com divisórias anti-mendigo, como os da “nova” praça da República. As alçam dividem o banco em três partes individuais: assim ninguém deita, nunca. Não é ridículo? Pô, não é isso que vai fazer o mendigo deixar de existir! Nem a pobreza sumir, nada. Ao contrário, um banco assim afasta o abraço dos namorados, mata a espontaneidade que é a alma de qualquer praça. Intimida a todos. Intimida ao mendigo também. Mas, sorry, ele não vai deixar de mendigar nem de existir por causa disso.
Outra péssima. Aquelas lanças de ferro instaladas em qualquer muretinha ou degrau à tôa por aí. Apenas o suficiente pra ninguém poder sentar. Deve existir um milhão de exemplos, na cidade toda, dessa grotesca engenharia da exclusão. Fica lá a mureta, com 50 centímetros de altura, coroada por lanças de ferro. Na medida certa para não caber o bumbum de quem está cansado, esperando o ônibus, por exemplo. Por que raios?
E não vou nem falar daquela fenda nas grades da portaria dos prédios, aquela violência retangular. Na medida exata para deixar o entregador a uma “distância de segurança” do condômino. Pelo buraco, só passa a pizza. Tem coisa mais paulistana? Mais paranóica? Mais desumana?
PS: A história da pracinha do Alves continua na mesma. Depois da reunião com o subprefeito, nem mais um reles contato, nem mais um nada. Ficou o dito pelo não-dito. E a sensação de impotência diante de um jogo com cartas marcadas. Ouvi que “os moradores estão irredutíveis”. Hein? Quem teria de estar irredutível é o administrador público, a quem compete, repetindo o óbvio, administrar o que é público, pú-bli-co. Alguém ainda sabe o que é isso? Eu queria que todo o mundo soubesse. E que se praticasse mais a urbanidade, a civilidade, o exercício da tolerância, da convivência entre diferentes. Que é treta braba, eu sei, mas não tem jeito não. É inescapável.
Postado por Phydia de Athayde às 18:39 3 comentários
quarta-feira, 4 de julho de 2007
com o subprefeito
Ontem à tarde participei (meio dividida entre ser repórter ou cidadã reivindicante) de uma reunião entre skatistas, o subprefeito de Pinheiros e o secretário de Esportes da cidade.
O tema "skate na pracinha" não sairá na versão impressa da CartaCapital, mas os detalhes da reunião estão nas Últimas Notícias do site da revista:
http://www.cartacapital.com.br/noticias/2007/07/obra-anti-skate-em-praca-paulistana-sera-repensada-1
"Logo no início, o subprefeito admitiu que as enchentes não foram a única motivação da obra."
Bom começo.
"Na última semana, Nachle disse ter recebido 'mais de 200 e-mails' criticando a obra e pedindo o retorno do skate à praça."
Que delícia foi ouvir isso. Que bom que mais de 200 pessoas tiveram a atitude de escrever à subprefeitura. E quanta gratidão eu tenho à atitude tão generosa do Juca Kfouri, semana passada, ao colocar este modesto desabafo no "Blog do Juca" e, ainda, emendar com o link da subprefeitura, sugerindo o envio dos e-mails. Obrigada!
...Confesso que saí da reunião um tanto desconfiada. Sabe como é. A especialidade do político é ser habilidoso na conversa. A mesma habilidade usada para, na prática (nesse caso), tomar uma decisão que agradou o lado mais influente da história.
Espero, sinceramente, que os 200 e-mails tenham lhes pesado no ego. E que o subprefeito e o secretário de esportes consigam transformar o constrangimento em uma atitude inovadora e conciliadora. Dizem até que isso aí dá voto.
Se a reivindicação não der em nada, putz, se não der em nada... Continua-se. Dizem até que isso aí dá dignidade.
Postado por Phydia de Athayde às 11:29 16 comentários
sexta-feira, 29 de junho de 2007
sobre permeabilidade
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...Abaixo, reproduzo Nota Oficial da subprefeitura de Pinheiros, à época da "obra":
Em relação à reforma viária no entorno da Praça Horácio Sabino, informamos:
Estão sendo implantadas seis faixas de paralelepípedos com quatro metros de largura cada uma, visando tornar a via mais permeável e diminuindo, assim, a velocidade com que a água da chuva avança pela Praça Horácio Sabino, cruzando a Rua João Moura e chegando à Rua Abegoária. Ao mesmo tempo, os paralelepípedos irão diminuir a velocidade do trânsito no local, visto que se trata de área residencial e com grande circulação de crianças na Praça.
A Rua Abegoária é um ponto crônico de enchentes, que vem causando transtornos aos moradores da região há cerca de 35 anos. As enchentes resultam da incapacidade de captação de águas pluviais, decorrentes da impermeabilização e aumento da população da bacia. A galeria, além de insuficiente, encontra-se comprometida devido a solapamentos e desconexões. O excesso de água prejudicou a sustentação desta galeria no próprio solo. A galeria não suporta a pressão da água, que acaba rompendo o asfalto e gerando buracos.
Em 2006 foram colocadas grelhas de alívio, que captam uma maior quantidade de água e aliviam a pressão na saída de água da galeria. No entanto, a solução definitiva implica na reconstrução da galeria, desde a Av. Heitor Penteado até a rua Gerard David, com um reservatório de amortecimento localizado sob as praças Oliveira Álvares (parcial) e Jacques Bellange (total). Trata-se, pois, de obra de grande porte, que será programada para os próximos exercícios.
Estamos à disposição para quaisquer esclarecimentos.
Não é incrível?
E para ajudar a "tornar a via mais permeável", uma reportagem de Daniel Santini, publicada hoje no G1: http://g1.globo.com/Noticias/SaoPaulo/0,,MUL59891-5605,00.html
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Postado por Phydia de Athayde às 17:01 10 comentários
quinta-feira, 28 de junho de 2007
réstia
É noite de quinta-feira e, num intervalo do fechamento (dia em que ficamos até mais tarde para finalizar a revista) da CartaCapital, aproveito para mandar este post. Ainda estou impressionada com os desdobramentos deste blog, deste grito tão chorado que fiquei na dúvida se seria bom ou não mostrar para tantos desconhecidos. Arrisquei e vejo, com alegria, que não foi tão má idéia.
A questão da pracinha me mostrou que muita gente também se sente oprimida na cidade. Sem lazer, sem lugar pra respirar, sem lugar pra simplesmente estar – e não apenas passar, de carro com vidros fechados. É muito bom encontrar e ouvir histórias parecidas, embora a maioria de final triste, sobre lugares públicos que significaram muito na vida das pessoas. E é da vida encontrar quem ache que rua é só para carro, que skatistas atropelam crianças, que todos os milhões de paulistanos deveriam se espremer no Ibirapuera, enfim. Coisas que eu não concordo, mas entendo, embora ache que quem não gosta de gente na rua deveria, solenemente, mudar-se para um condomínio fechado, daqueles cercados de grades e com seguranças para jogar o farolete em quem se meter a besta de ficar ao ar livre à noite (nem que seja pra namorar ou procurar estrelas).
Esta pracinha, a do Alves (Horácio Sabino), tem a sorte de mexer emocionalmente com muita gente. Com a repercussão do blog pude saber que nem todos os moradores concordam com a obra anti-skate, que existe comunidade no orkut mobilizada, que está rolando uma organização para reuniões com a subprefeitura, enfim, que talvez haja uma chance da situação ser revertida.
É engraçado. Sou jornalista e, inicialmente, não tive vontade de fazer uma reportagem contando o que aconteceu. Um receio de que, ao reportar, eu tornasse a coisa definitiva. Um índio com medo de perder a alma para a máquina fotográfica. Mas agora já está passando. Porque tristeza e medo passam, quer dizer, é mais fácil passarem quando se descobre que não se está tão sozinho. Que tem mais gente percebendo a cidade nos fugir das mãos, e querendo gritar parecido. Isso é muito legal.
Ainda não sei no que vai dar (o blog, a pracinha...). Mas já posso dizer que gostei de descobrir, logo na frieza e impessoalidade da internet, uma réstia de luz tão bonita. Caramba, “réstia” é muito Alceu Valença, né? A dele é de sol. A deste blog é que luz.
Porque o sol de verdade continua, lá fora, na pracinha.
Postado por Phydia de Athayde às 19:53 8 comentários